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Foto do escritorMarcio Oliveira - Vinoticias

“O VINHO DO GELO”

Anotações antigas dão conta de que durante o Império Romano elaborava-se um tipo de vinho que era robusto e adocicado, utilizando-se uvas colhidas mais tarde sob forma de passas.

Um dos vinhos mais tradicionais da Itália, embora o nome só tenha começado a ser amplamente utilizado na década de 1960, o Amarone emprega técnica milenar conhecida como apassimento (passificação). Por essa técnica, depois de colhidas, as uvas são deixadas para secar ao longo dos meses de inverno, por períodos que variam de 90 a 120 dias, acomodadas em “bandejas” superpostas conhecidas por arelas.


A técnica está longe de ser uma novidade, pois já era usada pelos romanos, exatamente com o objetivo de aumentar o teor alcoólico do vinho para protegê-lo de doenças e aumentar sua longevidade. A mesma técnica originou, inicialmente, o Recioto della Valpolicella, irmão gêmeo do Amarone, só que doce. Ambos são feitos com uvas passas, mas não congeladas!


Originalmente chamado de eiswein, o vinho de gelo, também conhecido como icewine, ou vin de glace, é um tipo de vinho de sobremesa produzido a partir do congelamento das uvas ainda na videira, criando vinhos de sobremesa com alto teor de açúcar e que harmonizam perfeitamente com sobremesas ou podem ser consumidos como aperitivos.


Segundo relatos, o vinho de gelo nasceu a partir de uma mera casualidade no norte da Bavária ou na Francônia (ambas na Alemanha), por volta de 1794. Um grupo de viticultores elaborou um vinho com uvas parcialmente congeladas, devido a uma geada inesperada. O resultado? Um vinho diferente e muito especial, muito mais concentrado, rico em aromas, mais doce e com uma acidez excepcional.


Para manter a produção regular destes vinhos, os viticultores alemães, que já eram sacrificados pelo pouco sol disponível, enfrentavam também o ataque das aves que vinham comer as uvas supermaduras. Na colheita de 1829, na região de Dromershein (Rheinhessen), os viticultores alemães deixaram uma maior quantidade de cachos nas videiras para saciar a fome dos animais silvestres durante o inverno. Com surpresa, eles viram que ainda sobravam alguns cachos de uvas íntegras pelo congelamento. Colhidas e prensadas, deram origem a um mosto muito rico em açúcar que foi vinificado em fevereiro de 1830. Este vinho, elaborado de uvas supertardias e congeladas, estabeleceu um novo padrão na hierarquia de vinhos da Alemanha – o Eiswein.


De acordo com a variedade, precoce ou tardia, as videiras dão origem a uvas maduras em tempos distintos e cada fase maturação corresponde a diferentes predicados da uva, que vão gerar determinado tipo de vinho. Na viticultura de clima frio, a colheita pode ser atrasada para além do ponto de maturação normal e os cachos, praticamente maduros, seguem outono adentro, permitindo que as uvas atinjam uma maturidade máxima. Mantidos nas videiras, os cachos com supermaturação vão ao encontro dos frios invernais, que finalmente interrompem a atividade do amadurecimento. Esse é o limite último para a maturação, a partir do qual vai ocorrer a desidratação dos bagos, uma espécie de ultramaturação! Até a década de 1960, o ‘ice wine’ (ou Eiswein, em alemão) foi mantido em segredo até que sua ‘’receita’’ fosse espalhada por toda a Europa.


Apesar de originalmente desenvolvido na Europa, foi no Canadá que os produtores encontraram as perfeitas condições climáticas para que o vinho de gelo fosse feito com maestria e volumes mais significativos.


♦ PRODUÇÃO - Com seu método de produção único, o vinho do gelo é feito em países de temperatura baixa e comumente suas vinhas são compostas pelas castas Riesling, Cabernet Franc, Pinot Noir, Syrah e Vidal. O ‘ice-wine’ é considerado uma bebida difícil de conceber, pois, se a nevasca for baixa, as frutas podem apodrecer e, se for muito rígida, as uvas não gerarão nenhum suco. No Canadá, o maior produtor do mundo, as condições de crescimento e produção do 'vinho gelado' são rigorosamente protegidas pela Vintners Quality Alliance (VQA), um programa reconhecido internacionalmente que define os padrões e a certificação dos vinhos.


Em uma safra habitual, as uvas são colhidas em um clima estável, variando entre - 8ºC e -10°C. A colheita deve ser realizada à noite, horário propício para uma temperatura estável que não comprometa a integridade produtora das frutas. Após a primeira etapa, as uvas são prensadas. Neste momento, elas estão muito duras e ao serem esmagadas liberam todo o gelo, que não se mistura com o sumo, deixando um suco superconcentrado. O mosto não pode ser refrigerado artificialmente, somente no processo de fermentação no tanque, que demora de três a quatro meses. O ‘ice wine’ só pode possuir açúcar residual e seu álcool deve ser resultado do açúcar natural das uvas.


Evidentemente, devida às peculiaridades do processo de elaboração, a produção de vinho de gelo se limita a uma minoria de regiões do mundo; regiões onde são esperadas temperaturas mínimas necessárias com alguma regularidade, como Áustria, Suíça e Canadá, que tradicionalmente eram concorrentes dos vinhos alemães, mas agora a viticultura do gelo produz vinhos também na Itália, Luxemburgo, Croácia, Eslováquia, Eslovênia, Hungria, República Checa, Suécia, Hong Kong, Israel, Austrália, Nova Zelândia e Brasil!!!


O vinho do gelo brasileiro é produzido pela Pericó, uma vinícola instalada em São Joaquim (SC. No ano de 2009, a região registrou temperaturas abaixo do 0 °C, com picos de -7,5 ºC, permitindo que a condição das uvas estivesse adequada para a colheita e produção dos vinhos de gelo.


O primeiro lote de Icewine brasileiro foi lançado em 2010 (safra 2009) e obteve um resultado excelente na degustação realizada na Universidade de Turim, na Itália: 90 pontos. A boa classificação se deu pela qualidade do vinho e do intenso e complexo aroma, com o toque adocicado bem balanceado com a acidez.


Outra curiosidade da produção em terras brasileiras é que, enquanto pelo mundo a maior parte da produção do vinho de gelo é feito com variedades brancas, na Vinícola Pericó a uva escolhida foi a Cabernet Sauvignon. A decisão foi tomada porque essa era a variedade da uva que podia ter a colheita mais tardia, sendo a única capaz de sustentar o amadurecimento lento até a chegada das temperaturas negativas.


Em geral, os vinhos de gelo são vendidos em garrafas menores, cerca de 350 ml a 375 ml. Os apreciadores de vinhos de sobremesa, certamente, irão adorar este estilo de bebida.


♦ UMA CURIOSIDADE – O ESPUMANTE DE VINHO DO GELO – Ainda mais raros, existem versões do vinho espumante de gelo. O primeiro foi produzido acidentalmente em 1988, na adega da casa do canadense, Konrad Ejbich. Somente no ano de 1996, o produtor decidiu compartilhar o conceito, desafiando as vinícolas canadenses a fazer o vinho espumante de gelo em uma base comercial. Dois anos depois a Vinhos Inniskillin produziu o primeiro vinho do gelo espumante aprovado pelo Ontário Vintners Quality Alliance (VQA), sistema regulatório do governo canadense.


♦ A CAMINHO DA EXTINÇÃO? - Com o aquecimento global, o vinho do gelo tem sua produção ameaçada. Em 2017, apenas sete produtores conseguiram fazer esse vinho de sobremesa, enquanto em 2013 cinco vinícolas lançaram seus rótulos no mercado. Na Alemanha, as altas temperaturas impediram o congelamento adequado de uvas durante o período 2019/2020. Apenas um pequeno produtor de Württemberg conseguiu produzir o vinho. Segundo o Instituto Alemão do Vinho (DWI) esta é a primeira vez na história que todo o país deixou de produzir o Eiswein. A bebida representa somente 0,1% de toda a produção vinícola alemã. Apesar de ser um produto muito específico, é mais um exemplo de como o aquecimento global deve mudar nossos hábitos alimentares e os produtos disponíveis no mercado nos próximos anos. Além disto, o Instituto alertou que no caso da continuidade das mudanças climáticas o Eiswein pode deixar de ser uma raridade e caminhar para a extinção.


Aproveite para provar um “Vinho do gelo” enquanto ele existe !!!Saúde !!!

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