Um tema escolhido por uma Confraria, que chamou a atenção foi uma degustação comparativa entre as uvas Petit Verdot e Tannat. Sabe-se que ambas são castas que criam vinhos de corpo e carregados de taninos e por isso, costumam ser fonte de vinhos rústicos. Mas será isto verdade?
A Petit Verdot é uma uva muito utilizada em Bordeaux, nas misturas tintas por causa de sua cor abundante, tanino e aromas florais de violeta. Como o Petit Verdot é um vinho de corpo, é comumente adicionado em menos de 10% da maioria das misturas bordalesas. O vinho também é raramente produzido como monovarietal, no entanto, existem vários produtores fazendo vinhos fenomenais de petit verdot em regiões da Austrália, Chile, Argentina, Espanha, Califórnia e Estado de Washington nos Estados Unidos e surpresa, está criando vinhos surpreendentes no Brasil.
O nome Petit Verdot foi atribuído a casta por conta do pequeno tamanho de seu cacho e por existir em seus bagos frutos de cor escura e outros com tom esverdeado, graças a uma característica bastante predominante da cepa, o amadurecimento tardio.
Na Sicília, ilha localizada ao sul da Itália, a casta é responsável por vinhos tintos surpreendentes. A maior parte dos vinhedos estão localizados perto do vulcão Etna, proporcionando condições favoráveis para o cultivo da casta. Na região francesa de Médoc, ela era uma das uvas mais populares até o século XVIII, quando um grande surto de filoxera devastou as regiões vinícolas da França. Durante a reestruturação das plantações, a Petit Verdot perdeu espaço, pois seu cultivo era menos rentável e mais difícil de ser feito. O pouco que restava da casta na região foi destruído em uma grande geada em 1956. Basicamente a Petit Verdot virou uma uva em extinção, até que vinicultores da Califórnia, nos EUA, passaram a apostar nela na década de 70.
Pelo que se percebe, essa uva é uma variedade que prefere clima quente e que tem uma colheita tardia. Em Bordeaux, isso significava que as uvas geralmente não estavam prontas (portanto, geralmente ainda verdes) quando tinham que ser colhidas. Por esse motivo, o Petit Verdot foi usado apenas em misturas tintas em pequenas proporções (geralmente apenas 1 a 3% da mistura de Bordeaux) para adicionar estrutura de tanino, cores e notas herbáceas de violeta e sálvia ao vinho. De fato, grande parte das plantações da Petit Verdot em Bordeaux foi arrancada a favor das variedades de maturação mais precoce como o Merlot e Cabernet Franc.
A Petit Verdot oferece aromas e sabores de frutas escuras como a ameixa, cereja, amora e mirtilo. Os sabores únicos e típicos da Petit Verdot lembram ervas e florais, como violeta, lavanda, sálvia e ervas secas. Você descobrirá que a maioria dos produtores envelhece os vinhos com misturas de Petit Verdot para amaciar os seus taninos e, também adicionar aromas e sabores de baunilha, avelã e café (capuccino). Ocasionalmente, o vinho pode ser um pouco esfumaçado e rústico, e vai muito bem harmonizado com carnes vermelhas grelhadas ou defumadas. No paladar, o vinho é seco e encorpado, com tanino alto, frutas escuras e acidez de média para alta. Alguns produtores acabam optando por uma colheita tardia da uva para criar vinhos mais leves e com taninos macios e notas de mirtilos e especiaria doce como baunilha.
Em climas mais frios, como na França, o Petit Verdot geralmente oferece sabores de ervas secas e mirtilo azedo ou amora azeda. Em climas mais quentes, como na Espanha, o Petit Verdot geralmente tem sabores de geleia de mirtilo e violetas cristalizadas. Seu paladar é carregado de personalidade e potência. Se você está procurando um vinho delicado, esqueça os feitos a partir da Petit Verdot, pois eles sempre serão mais robustos.
A evolução do Petit Verdot argentino é cativante. Não só porque conta com um nicho de fiéis seguidores, mas também porque entusiasma paladares internacionais. Sem ir muito além, em sua última visita ao país, Jancis Robinson destacou com entusiasmo: “Experimentei Petit Verdot mais consistentes que em Bordeaux”. Pouco se sabe sobre como o Petit Verdot chegou à Argentina. Uma pista é que a uva se encontrava misturada com os vinhedos mais antigos de Malbec e, nos anos em que atingiu o ponto ideal de maturação, contribuiu muito para a complexidade dos blends, dando cor, taninos, estrutura e acidez.
Em recente viagem pela Bahia tive a oportunidade de provar um Petit Verdot muito bom, produzido sob forma de um pequeno lote, pela Vinícola UVVA, que não fica devendo nada aos melhores exemplares que provei com origem na Argentina ou Uruguai. Servi o vinho na noite da degustação comparativa entre as uvas Petit Verdot e Tannat e os confrades foram arrebatados pela intensidade e qualidade do vinho.
Um vinho intenso como o Petit Verdot pede sabores fortes como acompanhamento e assim a sugestão fica em harmonizar com pratos marcantes, como vitela, cordeiro grelhado e outras carnes intensas. Para queijos, a sugestão é buscar queijos fortes, como grana padano, pecorino ou um gouda defumado. Vai muito bem com cogumelos como o Portobello, Shitake, ou Trufas Negras, salteados na manteiga e salpicados com tomilho. Nos vegetais e legumes o Petit Verdot combina bem com caponatas de berinjela, frutas seca como nozes e pratos elaborados com abóbora (moranga).
Com suas raízes em Madiran (uma pequena região no sudoeste da França), o Tannat pode ser o próximo sucesso no mundo do vinho, seguindo o exemplo da casta Malbec, por conta dos vinhos do Uruguai que estão sendo surpreendentemente acessíveis aos paladares mais sensíveis.
A Tannat fez sua primeira aparição na Lista dos 100 Melhores Vinhos do Ano da publicação norte-americana Wine Spectator do ano em 2017. Foi considerado no número 41 com o Tannat Reserva da Bodega Garzon 2015 do Uruguai. Isto começou a chamar a atenção para o Tannat que também é apontado como uma das uvas de vinho tinto “mais saudáveis”, graças a seus níveis muito mais altos de antioxidantes (como o resveratrol). Verifica-se também que os clones mais recentes da videira Tannat mantêm a potência, a estrutura e complexidade, mas reverteram para melhor a acidez e adstringência que marcava os vinhos de origem francesa.
A uva do Tannat é um pouco de camaleão e reage de maneira diferente, dependendo de onde é cultivado. Tradicionalmente, o Tannat do Madiran é um grande vinho, com taninos e acidez marcantes. Por esse motivo, muitas vezes é misturado com Cabernet Sauvignon ou Cabernet Franc para aliviar a tanicidade. Ainda assim, a lei francesa exige um mínimo de 60% de Tannat em vinhos rotulados como "Madiran AOC". Muitos produtores de vinho franceses regionais optam por 100% de Tannat porque adoram o estilo mais rústico, com taninos marcantes, uma cor opaca de “vinho escuro”, álcool elevado e muita acidez. Minha sugestão, espero pelo menos 10 anos antes de abrir uma garrafa deste estilo.
No Uruguai encontramos o Tannat exibindo um estilo mais descontraído e macio. Misturado com uma variedade de uvas para suavizar sua estrutura firme, não é incomum encontrar o Tannat do Uruguai misturado em blends com Pinot Noir, Merlot ou Syrah, onde os sabores de frutas maduras ajudam a suavizar os taninos de alta potência.
Os produtores e enólogos adoram o Tannat porque a casca grossa dos bagos das uvas cria um varietal relativamente fácil de crescer em uma variedade de condições climáticas (especialmente seca) adversas. Além disto há menos probabilidade de a uva ser atacada por pragas de vinha, fungos e mofo, além de ser menos suscetível a variações de temperatura fria e a temida geada.
Nos vinhos uruguaios, os taninos parecem mais flexíveis e macios, enquanto os perfis de frutas são principalmente frutas escuras, como amora, cereja preta e ameixa. Os vinhos mostram uma elegância diferenciada. Entre os processos para criar este estilo mais elegante de Tannat, está o uso de barricas de carvalho que permitem através da micro-oxigenação criar um vinho com sabor mais macio. A micro-oxigenação é um processo de introdução de pequenas quantidades de oxigênio durante o processo de vinificação para suavizar a estrutura marcante e tornar os vinhos mais acessíveis mesmo quando jovens. Uma das vantagens do envelhecimento de um vinho que é construído para a guarda, como é o caso do Tannat (ou seja, carga de taninos altos e alta acidez) é que, com o tempo, os taninos do vinho se quebram e amaciam por conta própria.
Atualmente, o Uruguai é o maior produtor mundial de Tannat. No Brasil, a uva Tannat chegou na década de 1990, quando a vinícola Miolo trouxe mudas da França e começou a cultivá-las na região da Campanha Gaúcha, no Rio Grande do Sul. A uva se adaptou bem ao clima e solo da região e se desenvolveu de forma surpreendente.
Hoje, a Tannat é uma das principais uvas cultivadas no Brasil, principalmente na região da Campanha Gaúcha e na Serra Gaúcha. O Terroir Brasileiro confere à uva características únicas, com aromas de frutas negras, especiarias e toques florais. Na boca, a uva apresenta taninos potentes e estrutura marcante, o que a torna perfeita para vinhos encorpados e de guarda. O Tannat brasileiro costuma ter uma acidez mais alta do que Tannats produzidos em outros países, o que o torna mais gastronômico e versátil.
Por conta dos seus taninos firmes, o Tannat harmoniza com comidas que tenham alto grau de proteína e alta gordura para a mesa. As gorduras e proteínas suavizam a intensidade e qualidade dos taninos. Os vinhos vão bem com carne bovina, linguiça, cassoulet (prato típico francês da região do Madiran), cordeiro assado, confit de pato e queijo envelhecido, como o Roquefort e o Chaumes.
Então, ao final desta leitura, será que podemos dizer que as uvas Petit Verdot e Tannat sejam rústicas? Que tal provar um deles e avaliar suas características?
Saúde!!! Aproveite para comentar se gostou ou não!!! (Este artigo está baseado em material disponível na internet, e minhas considerações durante a prova dos vinhos e pesquisas).
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