Em tempos de distanciamento social, é fácil associar uma taça de vinho a pequenos momentos de prazer e descontração. Depois de mais um dia em casa, numa festa virtual, ou para um encontro online, o vinho continua a aproximar amigos e familiares. Desta forma, as Lives envolvendo vinhos estão em crescimento mês a mês e assim, a convite da Cantu e Casa Relvas participei de uma colheita virtual, sem sair de casa! Viajamos pela banda larga e acompanhamos Alexandre Relvas e sua equipe explicando a evolução da safra 2020 no Alentejo e a colheita das uvas na Herdade São Miguel da Casa Relvas.
Esta ideia foi desenvolvida com maestria pela equipe da Cantu, envolvendo o enólogo Felipe Cesca e o diretor Júlio. Fizemos um passeio pelos vinhedos, e depois pela cantina de vinificação, com oportunidade de ver as talhas, tão em voga neste momento em que a pandemia nos faz refletir sobre novos “velhos” aromas e sabores.
Afinal, a tradição remonta a passagem dos fenícios pelo sul da Península Ibérica, depois com a interiorização feita pelos gregos e finalmente sob a influência dos romanos. Estamos falando fácil de 2500 anos de produção de vinhos em talhas de barro. E o assunto tem despertado tanto interesse, que motivou algumas lives recentes.
A Casa Relvas é um projeto familiar que teve inicio em 1997 e conta já com a dedicação de duas gerações. A empresa gere cerca de 350 hectares de vinha e produz 6 milhões de garrafas por ano, 70% das quais são exportadas para mais de 30 países.
Nos últimos 10 anos os seus vinhos conquistaram mais de 300 medalhas em concursos internacionais e vêm recebendo as mais elevadas pontuações da imprensa especializada (Decanter, Wine Spectator, Wine Enthusiast e Wine and Spirits).
Com o objetivo de satisfazer vários perfis de consumidores, o seu portfólio conta hoje com mais de uma dezena de marcas, todas elas reflexo da qualidade e rigor com que trabalham.
Outros participantes da Vindima Virtual aproveitaram para perguntar várias questões sobre a vinificação em talha de barro. E Alexandre foi explicando que utiliza talhas de vários tamanhos, uma vez que algumas vinificações eram experimentais aproveitando de volumes menores. As talhas de cerâmica são revestidas internamente com “pez” que é uma resina derivada de resina de pinheiro, de pez de louro, sendo totalmente natural, misturada com cera de abelha e que fecha parte dos poros do barro para o vinho não vazar pelas paredes.
As talhas conferem grande frescor aos vinhos e uma pureza de fruta muito significativa. Hoje, o Alentejo dedica grande importância ao tema, tanto que no dia 11 de novembro – Dia de São Martinho, se faz a abertura oficial de todas as talhas da região e se prova o vinho. Na sua vinificação, as uvas são colocadas dentro das talhas num processo de maceração e fermentação pelas leveduras naturais. O início da fermentação vai rápido (3 a 4 dias) e depois diminui, sendo que depois as talhas são lacradas e abertas somente na data oficial.
Com mínima intervenção humana, as uvas ficam 2 a 3 meses a macerar nas talhas que são abertas numa grande festa! O ART.TERRA Amphora é o resultado desta técnica: um vinho que denuncia claramente como é feito, através dos sabores de terra e argila provenientes do contato com a talha, fruto de uma longa maceração sem extração. Os aromas primários praticamente não existem, mostrando mais os aromas complexos da vinificação e maturação.
Entretanto, Alexandre Relvas considera que o vinho de talha é um vinho de nicho. Vende bem em tascas ou restaurantes estrelados pelo Guia Michelin. Desta forma existem cerca de 30 vinícolas no Alentejo produzindo vinhos de talha.
Sobre a evolução da colheita 2020, ela está avnçada no Douro, enquanto que no Alentejo está atrasada em 2 semanas. Uma das probabilidades deste atraso se deve ao excesso de calor gerando stress hídrico, criando um desafio na adega de respeitar as películas das uvas que estão muito fragilizadas.
A seguir, passamos a uma degustação orientada pelo Alexandre Relvas dos vinhos que foram enviados pelo correio para a casa de cada um dos participantes da vindima. A equipe da Cantu aproveitou para também fazer alguns comentários.
Foram degustados os rótulos Herdade de São Miguel Colheita Seleccionada, branco e tinto, bastante frutados e equilibrados que representam muito bem o estilo do Alentejo.
Além destes provamos também o Art-Terra Curtimenta.
Por último o vinho “Pé de Mãe” cujo nome é dado às videiras selecionadas para reprodução vegetativa, pela qualidade do seu fruto e adaptação a um determinado terroir se faz este vinho. Nele, a Trincadeira mostra-se muito frutada, com boa acidez e persistência no paladar. Um dos melhores vinhos que provei seja em 2019 e agora novamente neste 2020.
♦ Casa Agrícola Alexandre Relvas – Herdade São Miguel Colheita Seleccionada 2019 - Alentejo, Portugal - Branco composto de Antão Vaz, Viognier, Arinto e Verdelho, com estágio de 50% do vinho em barricas de carvalho de 400lts. Fresco e vivaz, com notas de manteiga, erva cidreira, de flores brancas e de camomila envolvendo toda sua fruta branca com algo de limão siciliano. Paladar de corpo médio, com ótima acidez, textura cremosa e firme e longo final agradável, com toques salinos e de limão siciliano. Perfil altamente gastronômico. Guarda de mais 4 a 5 anos de guarda.
♦ Herdade de São Miguel Art Terra Curtimenta 2019 – Curtimenta era a forma tradicional de fazer vinho em contato com as cascasa das uvas, no estilo de maceração de um vinho laranja. Quando feito em ânfora rotula-se como ânfora. Quando se faz a maceração com as películas em cubas de inox o vinho é rotulado como curtimenta. Cor entre um rosé cobreado e laranja. No aroma mostra notas frescas de damasco, e especiaria doce de canela. Paladar macio, com bom frescor, corpo médio. Fim de boca agradável e com ótima mineralidade.
♦ Casa Agrícola Alexandre Relvas - Herdade São Miguel Colheita Seleccionada 2018 - Alentejo, Portugal - Tinto composto de Alicante Bouschet, Cabernet Sauvignon, Syrah e Touriga Nacional, com estágio de 50% do vinho durante 6 meses em barris de 400 litros de carvalho francês. Um vinho de cor bem escura, que mostra frescor e tensão, tudo em meio a muita fruta madura como ameixas, cassis e amoras, acompanhadas de notas florais e de especiarias doces (algo de baunilha), que se repetem no paladar. Os taninos são macios, mas se mostram, com bela acidez, num conjunto em que tudo está muito bem integrado. Fácil de gostar e beber, com boa acidez, boa textura de taninos e final que pede um segundo gole em seguida. A syrah vai muito bem no Alentejo, mas a uva mais importante para a Casa Relvas é a Alicante Bouschet. A uva mais plantada é a Aragonês (Tempranillo), seguida pela Trincadeira, Alicante Bouschet e Syrah. Para muitos produtores a Trincadeira é uma uva mal amada, por produzir vinhos mais ligeiros. Na Casa Relvas buscam criar vinhos de maior expressão. Este vinho está relacionado entre os 100 melhores custo x benefício entre tintos portugueses (28º lugar).
♦ Casa Agrícola Alexandre Relvas – Pé de Mãe 2017- Alentejo, Portugal – Os últimos anos de seca severa tem mostrado as extraordinárias capacidades de castas como a Moreto, Castelão, Trincadeira em adaptar-se num clima extremo. Tinto composto de uvas Trincadeira (predominante), Castelão e Aragonês, cultivadas em solos argilo-xistosos sem irrigação (vinhedo de sequeiro) e fermentadas com leveduras naturais, sendo 20% em cachos inteiros, numa maceração longa, mas muito suave. Desta forma o bago da uva “explode” durante a fermentação, quase como numa maceração carbônica. Antes de ser engarrafado o vinho estagia 18 meses em tonéis de carvalho de 5 mil litros. Um vinhaço que junta a elegância a pureza de fruta vermelha e escura com uma sensação de mineralidade.
Conclusão: uma aula de como fazer vinho e que possibilitou entender melhor a razão do sucesso dos vinhos da Herdade São Miguel. Que venham outras vindimas virtuais! Saúde !!!
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