Convivendo com várias Confrarias que se reuniam na Sala do Vinotícias em BH, percebi que o vinho é uma forma de comunicação intensa com os amigos. E com a progressão da pandemia, tive receio de perder esta conexão com e entre os amigos em torno do vinho. A criatividade acabou superando as distâncias que impediam os encontros para degustações presenciais.
Durante estes meses acabamos criando grupos de WhatsApp e falamos sobre uvas e regiões, os anos bons e anos ruins, falamos sobre taninos e pontuações de vinhos dadas pelos principais críticos e jornalistas de vinhos, procuramos trocar ideias sobre detalhes e nuances de como comprar vinhos em promoções e como apreciar e beber os rótulos em promoção.
E por último, criamos Confrarias virtuais nas quais nos reunimos remotamente e trocamos ideias sobre um rótulo, uma uva, ou uma região produtora. Criamos um jantar harmonizado, que reúne pessoas em suas casas, bebendo e comendo um menu com um prato principal harmonizado com um vinho e falando por algumas horas sobre vinho, história e cultura, numa união de energias em torno de um bom papo e uma boa taça de vinho!
Creio que falar sobre vinhos é sobre adquirir conhecimento e experiência, também é sobre amizade, sobre sentar e conversar mais e mais abertamente enquanto você se aprofunda em uma garrafa compartilhada mesmo que vitualmente, com um conhecido se tornando um amigo mais próximo na evolução da primeira para a terceira taça. O vinho é uma linguagem que pode ser aprendida; é também um meio de promover a comunicação e a intimidade com outras pessoas.
No início do meu caminho no mundo do vinho, muitas vezes me perguntei como poderia aprender mais sobre vinho. Claro que vale a pena participar de Cursos sobre Vinho, que é importante dedicar-se a leitura de alguns livros, mas também percebi que é importante conectar-se com outras pessoas, com produtores, com quem estava disposto a ensinar e provar o maior número possível de vinhos!
Existe uma maneira própria de falar sobre vinho que trata de trivialidades e detalhes, de falar uma linguagem de códigos que permite que um número reduzido de pessoas participe da conversa. Pode ser tentador nos sentirmos especiais tentando tornar as coisas de que gostamos o mais inacessível possível para os outros, como muitos críticos que costumam colocar o vinho sobre um trono inatingível.
É aqui que os clichês sobre o vinho como esnobismo e pretensão se aproximam da verdade, e é também a maneira menos interessante de se relacionar com a linguagem do vinho e da vinificação. Eu sempre fui atraído pela história e geografia do vinho e seu profundo relacionamento com a nossa civilização, uma vez que sendo elemento de celebração, o vinho esteve presente nas principais passagens históricas na sucessão dos impérios que dominaram a Europa desde a Antiguidade.
Há muitas piadas sobre a linguagem floreada com que as pessoas falam sobre vinho - "notas de petrichor, café e especiarias doces de baunilha advindas da tosta da barrica" ou o que quer que seja. Aliás, foi até mesmo cunhado um termo para esta pessoa – o Enochato. Mas também existe uma alegria real em qualquer tipo de expertise, em aprofundar-se em um tópico e sair mais rico e sábio, carregado com conhecimento que pode ser aplicado ao mundo da degustação e mesmo para a nossa vida.
Ter uma linguagem comum e termos técnicos relativos à vinificação, elaboração ou defeitos do vinho não é problema para os profissionais, o jargão permite resolver, prevenir ou antecipar problemas ou mesmo acompanhar um processo de viticultura.
Entretanto, essas ferramentas de linguagem costumam se desviar de sua missão primária ao invadir o espaço de degustação sob um aspecto subjetivo. Ao provar um vinho, as emoções que uma pessoa sentirá, os aromas que ela sentirá não são iguais aos que outras pessoas perceberão, mesmo em condições estritamente idênticas.
Na verdade, o gosto também é cultural e regional quando se pensa na aversão a certos alimentos, aromas e sabores. Obviamente, a experiência pessoal também desempenha um papel na nossa construção do olfato e do paladar - a frequência com que teremos encontrado um alimento, ou a forma como terá sido ou não transformado... A nossa história intervém e muda as nossas percepções, inscrevendo-os em um contexto tanto de emissão - como recebo a mensagem - quanto de recepção - como vou escolher falar sobre ela.
É este contexto e estes elementos que norteiam a nossa forma de falar do vinho, e a nossa fácil adaptação ou não a códigos de comunicação relativamente rígidos. Se nos desviarmos dos padrões tradicionais do vinho, não haverá problema em associar banana, mandioca, jabuticaba ou nori com os sabores que experimentamos.
No entanto, estes aromas estão ausentes dos padrões clássicos de vinhos: não fazem parte da cultura gustativa dominante no mundo do vinho, que é essencialmente europeu. Esse é o problema: ao se basear em uma paleta de sabores centrada em uma determinada cultura e região, configurada como valor modelo, você se torna um excludente de outras pessoas, não deste universo.
Durante a pandemia, a internet abriu oportunidade para que uma série de “lives” acontecessem e despertassem nas pessoas o desejo de conhecer o mundo do vinho. O uso de uma linguagem mais simples, compreensível para todos, experientes ou iniciantes neste universo enológico abriu a mente e as taças para novas experiências e troca de conhecimentos. Para ser franco, creio que hoje em dia falo sobre vinho de forma mais simples, com menos clichês.
Provadores profissionais, críticos e sommeliers dirão que apesar de ser uma fonte ocasional de alegria, degustar vinhos é um trabalho árduo. É preciso um esforço concentrado para entender o líquido que está sendo provado, fixar seu caráter em mente e fazer um julgamento sobre sua qualidade, usando uma linguagem apropriada. São necessárias habilidades que se desenvolveram gradualmente ao longo do tempo e tiveram que ser aprendidas. Sempre há espaço para melhorar, e a degustação de novos vinhos oferece oportunidades para adquirir mais conhecimento e experiência.
Nada poderia ser mais fácil do que provar alimentos ou bebidas, seria como aprender algo natural como ver ou ouvir. As sensações gustativas começam assim que a comida ou bebida entra na boca. Bebemos ou mastigamos e depois engolimos. As sensações são fugazes e transitórias, o que certamente os torna difíceis de concentrar, embora façam sentir a sua presença ao deixar-nos impressões de gostos ou aversões. Então, a degustação de vinhos não seria realmente tão difícil, desde que se deixasse de lado a postura de ser necessário usar uma linguagem própria, complexa ou rebuscada.
Uma explicação mais favorável pode ser dada em termos do maior conhecimento do profissional, sommelier ou jornalista sobre este universo que agrega a uva, o produtor, o vinhedo e a produção responsável de um determinado vinho numa região do mundo, deixando de lado a exigência de um conhecimento perfeito para todas as pessoas, em especial os iniciantes neste universo de Baco.
Quando queremos que o vinho se torne mais acessível para o brasileiro, que seu consumo supere os baixos indicadores atuais, é muito importante que se simplifique a forma de falar sobre o vinho. Nesta hora o vinho será compartilhamento, amizade, aprendizado, prazer, ....
Creio que é nesta hora que o vinho se mostra algo muito além de uma simples linguagem!
Saúde!!! Aproveite para comentar se gostou ou não!!! (baseado em artigos disponíveis na internet e minhas considerações)