“Cada um de nós tem seus próprios limites não apenas para doces, mas para todos os sabores.”
Recentemente, numa Confraria Virtual com amigos de Salvador, Rio de Janeiro, Ribeirão Preto e Belo Horizonte, que tenho um grande prazer em participar, uma questão veio à tona: “Porque ao longo do tempo na taça, um vinho como o Amarone poderia ter a percepção da doçura sendo alterada?”
O açúcar no vinho costuma gerar um grande mal-entendido. Todos os vinhos têm um sabor doce, mas como você pode ver, a doçura geralmente é uma questão de percepção.
As papilas gustativas podem registrar cinco tipos de sensação: doce, azedo, amargo, salgado e umami. Recentemente, o sabor “Aquoso” vem sendo descrito, uma vez que foi provado que possuímos receptores gustativos próprios para a água.
Outro conceito recente é que não sentimos apenas os gostos básicos. Nosso córtex gustativo, localizado no lobo temporal, também percebe uma ampla gama de variações de intensidade e qualidade, formando assim um complexo leque de sabores.
Outro ponto que gera discussões é se o sentido do paladar é sintético ou analítico. A visão é sintética: em um vinho tinto percebemos a sua cor vermelho violácea, por exemplo, mas não conseguimos distinguir entre a combinação de tons de amarelados e azulados que produziram a cor resultante. O olfato, por outro lado, é analítico: podemos perceber os diversos aromas que compõem o final de um vinho.
No que diz respeito ao sabor, ainda não há dados conclusivos, quanto a se conseguimos realmente sentir acidez, doçura, e outros sabores em separado, ou se simplesmente percebemos um estímulo único e só depois racionalizamos e decompomos mentalmente a sensação.
O processo pelo qual as moléculas causam essas sensações é extremamente complicado e não é tão importante quanto entender como essas sensações gustativas se relacionam entre si.
Geralmente, a doçura do açúcar equilibra o amargor dos fenóis. Embora a relação não seja tão simples, sua percepção geral de um vinho é baseada nessas propriedades. Diferentes fatores influenciam a doçura; por exemplo, o álcool aumenta sua percepção de doçura.
A vinificação é uma ciência exata, com cada componente que entra em um vinho – da levedura e conservantes à própria variedade da uva - em última análise, afetando o perfil de sabor eventual. E mesmo assim, cada vinho será experimentado de forma diferente por pessoas diferentes, com base em seu olfato e paladar que pode ser mascarado pela saliva e resíduos de sais minerais na boca. No entanto, embora os níveis de tanino, álcool e acidez desempenhem um papel significativo na doçura percebida de um vinho, o maior fator é o açúcar residual. Provavelmente não será surpresa para você saber que quanto mais açúcar residual houver em um vinho, mais doce ele será.
Açúcar residual (geralmente abreviado para RS) são os açúcares naturais da uva deixados em um vinho após a conclusão do processo de fermentação alcoólica. Os vinhos secos também costumam conter algum nível de RS - geralmente para ajudar a equilibrar a alta acidez. É medido em gramas por litro, com 10 gramas por litro de açúcar residual, dando um nível de doçura de 1%.
A doçura perceptível é o nível limite de doçura que seu cérebro registra. Cada indivíduo possui um valor limite diferente; o mais agudo será em torno de 0,2% de açúcar por volume. No entanto, a maioria das pessoas começa a perceber a doçura em torno de 1%.
Um dado interessante neste sentido é que o bebedor de vinho médio geralmente não consegue detectar níveis de doçura abaixo de 1,5%, enquanto provadores treinados podem estimar a doçura em cerca de 0,2%!
Os produtores de vinho devem levar em consideração as diferenças individuais de limiar para o produto final. Além disso, os produtores de vinho devem prestar muita atenção aos tipos de açúcares do vinho. Açúcares diferentes induzem respostas diferentes, e estas são baseadas na estrutura molecular.
● A PERCEPÇÃO DE GOSTO DE AÇÚCARES EM UM NÍVEL MOLECULAR - O fenômeno da doçura do açúcar é percebido em um nível macro, mas seus fundamentos são construídos em nível molecular. As moléculas de açúcar têm a fórmula básica de (CH2O) n. O açúcar mais comum e importante, a glicose, tem a fórmula C6H12O6. A química do açúcar é de extrema importância na percepção da doçura.
Os açúcares tendem a se unir para formar longas cadeias. Isso é benéfico para os organismos por uma série de razões; sendo o armazenamento e a manutenção da osmolaridade os mais importantes.
A percepção da doçura depende do tamanho das moléculas de açúcar. Na percepção do paladar, você percebe a frutose como o açúcar mais doce, depois a glicose. Isso ocorre porque eles são moléculas de açúcar individuais. À medida que as moléculas de açúcar se unem, sua doçura percebida diminui. É por isso que os carboidratos (longas cadeias de açúcares) não têm gosto doce.
O mecanismo por trás deste resumo, mas simples em princípio; no nível molecular, suas papilas gustativas têm sensores que se adaptam a moléculas específicas. Assim que uma molécula se liga a esses sensores, um sinal é enviado ao seu cérebro e você percebe conscientemente a "doçura". Isso é relevante porque polímeros maiores de glicose (longas cadeias de açúcares) não se encaixam nesses receptores.
Faz sentido, então, que os menores açúcares sejam os mais doces. E os carboidratos de cadeia longa, como os das batatas, não são.
Quantos de nós pensam que uma Coca é menos doce do que o Riesling médio ou vinho doce? Você ficaria surpreso em saber que a Coca tem aproximadamente o mesmo nível de açúcar, a 108 g / L, que alguns dos vinhos de sobremesa mais doces? Por exemplo, um Tokaji Aszu de 5 puttonyos tem 120 g / L de açúcar residual (um Tokaji Aszu de 4 puttonyos tem 90).
Todos esses vinhos (e a coca) têm um sabor doce, mas como você pode ver, a doçura geralmente é uma questão de percepção. O amargor, como a cafeína nos refrigerantes, ou taninos no vinho, reduzirá a percepção do açúcar. O mesmo acontece com a acidez. Daí o delicioso ácido fosfórico na sua Coca-Cola e a importância da acidez natural no vinho.
Em algumas degustações técnicas, costumo usar a limonada como exemplo desse equilíbrio delicado. O ácido (azedo) dos limões é equilibrado pela doçura do açúcar. Muito de um ou de outro e você terá uma limonada muito azeda ou muito doce - para a sua percepção. Ofereça a mesma limonada para outra pessoa, e poderá estar perfeito para ela. Cada um de nós tem seus próprios limites não apenas para doces, mas para todos os sabores.
Para um Riesling bem equilibrado, ou qualquer vinho com açúcar residual, a chave é um equilíbrio cuidadoso entre o doce e o azedo, que muitas vezes traduzimos como os elementos de maciez e de dureza num vinho. Este ato de malabarismo vínico é um dos mais difíceis na vinificação e nem todos acertam. Então, por que os vinhos brancos mais doces raramente recebem o respeito que podem merecer? Fale sobre vinhos doces decentes e a conversa quase sempre salta para os vinhos de sobremesa surpreendentes do mundo, ignorando aqueles com menos açúcar.
● DE ONDE VEM O AÇÚCAR NO VINHO? - O açúcar no vinho é chamado de açúcar residual, ou RS, e não vem do xarope de milho ou do açúcar granulado, mas dos açúcares naturais encontrados nas uvas viníferas para fazer vinho, que incluem frutose e glicose. Durante a vinificação, as leveduras normalmente convertem todo o açúcar em álcool, tornando o vinho seco. No entanto, às vezes nem todo o açúcar é fermentado pelas leveduras, deixando um pouco de doçura restante.
● A DOÇURA NO VINHO CRIA ALGO DE ESTILO OU CLASSE DE VINHO? - Percepção de novo, só que desta vez a percepção não é sobre o sabor mas sim sobre a “classe” do vinho. Existe uma escala de classes na mente da maioria das pessoas sobre o vinho que geralmente está relacionada ao preço. Os que estão no topo são vinhos secos ou os raros e caros vinhos de sobremesa.
Os vinhos na parte inferior da pirâmide geralmente estão cheios de açúcar residual, mascarando os seus ingredientes baratos. Estes vinhos são comercializados para quem se preocupa mais com o álcool do que com o sabor. Os vinhos doces que estou defendendo pertencem a uma classe esquecida.
Vinhos brancos ou tintos baratos são conhecidos por mascarar o sabor de uvas de qualidade inferior com açúcar residual. Então, não tenha vergonha de seu amor por vinhos mais doces.
Podemos citar vários rótulos de ótima qualidade feitos com as uvas Riesling, Gewürztraminer e Muscat e a maioria das pessoas irá imediatamente presumir que você está falando sobre vinhos mais doces. E embora possamos estar realmente falando sobre vinhos mais doces neste caso, essas uvas também se destacam por belíssimos vinhos secos.
Por causa do medo do açúcar, sinto que muitos vinicultores trabalham muito para fazer vinhos secos a partir dessas variedades, fermentando a doçura que tantas vezes é a fonte do encanto destes vinhos. Não se envergonhe de seu amor por vinhos mais doces, não importa a variedade de uva. E se ainda não se encantou com um belo vinho suave, está mais que na hora de provar um bom Riesling, Gewürztraminer ou um Muscat!
● COMO POSSO SABER QUANTO RS CONTÉM MEU VINHO? - A resposta curta é: você não pode - pelo menos não facilmente!
Uma vez que o vinho não é obrigado a incluir informações nutricionais em seu rótulo, não há razão para os produtores adicionarem detalhes sobre o teor de açúcar. Dito isso, com exceção de alguns casos ocasionais, qualquer açúcar encontrado em um vinho – seco ou doce - normalmente ocorrerá naturalmente, e não como o açúcar frequentemente mencionado em histórias de terror de aditivos encontrado nas notícias de fraudes nas produções de vinhos.
Creio que ao longo do tempo na taça e na medida em que vamos bebendo as percepções podem ir alterando, até mesmo por ação do álcool sobre as papilas gustativas. Um vinho muito ácido, por exemplo, pode ser intragável. Outro, com a mesma acidez, mas também com alto teor de doçura, pode ser delicioso. A percepção dos sabores depende do ambiente dos receptores gustativos.
Isto ocorre porque, quando provado, o vinho atinge os receptores gustativos à medida que é dissolvido pela saliva. Esta reação química varia imensamente conforme a composição do vinho, o que mudará a dinâmica e a velocidade de todo o processo.
A percepção do sabor também sofre a ação da fadiga. Um mesmo vinho parecerá mais ou menos doce, tânico ou ácido, dependendo do que foi servido antes ou junto com ele - como um prato harmonizado, por exemplo.
É comum dizer que a melhor maneira de valorizar um vinho é servir outro mais simples antes. Por isso, a ordem correta do serviço de vinhos em uma degustação é fundamental, sempre mantendo um crescente, pois um sabor mais forte irá impregnar as papilas gustativas e influenciar na avaliação do vinho seguinte.
● COMO ENTENDER O ESTILO AMARONE? - Vinhos de sobremesa feitos de uvas passificadas são algo comum no mundo dos vinhos, mas vinho seco tinto feito a partir de uvas passificadas, tem no Amarone a única referência mundial neste estilo.
Enquanto o Valpolicella é feito como a maioria dos vinhos tintos secos, com suas uvas esmagadas logo após a colheita, iniciando o processo de fermentação, para a produção do Amarone, as uvas só serão esmagadas quatro meses depois. Isso por que durante esses 120 dias, as uvas ficam em esteiras secando, encolhendo, concentrando o açúcar, e se transformando em uvas (quase) passas, perdendo 35% do seu peso (processo que se chama em italiano, appassimento). Logo, as uvas colhidas nas duas primeiras semanas de outubro (a colheita do Valpolicella acontece no fim de setembro quando as uvas estão menos maduras) só serão esmagadas no fim de janeiro ou começo de fevereiro do ano seguinte.
Para se ter uma ideia, em alguns produtores uma taça de vinho precisa de cachos de uma videira inteira ou até mais. Pode acontecer que durante o appassimento o fungo da Botrytis cinérea ataque as uvas tintas, danificando os compostos de cor que resulta em vinhos com coloração que tende ao castanho, apesar disto criar alguns Amarones botritizados muito interessantes.
Dizem que o Amarone della Valpolicella teria surgido como um Recioto (que é um vinho doce de sobremesa feito de uvas pacificadas na região do Vêneto, na Itália) que deu errado, sendo fermentado por tempo maior que o usual, resultando em um vinho totalmente seco e com acentuado amargor final, e disto veio o nome Amarone (amargo em italiano é amaro).
O aparecimento do Amarone no mercado é recente, pois foi apenas a partir da década de 1950, que alguns produtores locais começaram a investir especificamente nessas versões secas. Com o tempo, o sucesso dos Amarones della Valpolicella inspirou produtores, aqui e ali, a fazerem vinhos secos (ou quase secos) de uvas desidratadas mundo afora.
Saúde!!!Aproveite para comentar se gostou ou não!!! (baseado em artigos disponíveis na internet e minhas considerações)
Comments