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Foto do escritorMarcio Oliveira - Vinoticias

“QUAL É O PAPEL DA LEVEDURA NATIVA E DA LEVEDURA SELECIONADA NA VINIFICAÇÃO?”

Embora possa parecer um tema muito técnico para que o amante e consumidor de vinhos se interesse, o assunto é muito perguntado nas degustações que oriento. Assim sendo, apesar de não ser um expert no assunto, resolvi pesquisar o tema, conversei com alguns enólogos amigos e escrevi este artigo com a ideia de contribuir para entendimento de que a levedura desempenha um importante papel na forma como o vinho é feito!

O vinho é uma bebida proveniente da fermentação alcoólica do mosto simples de uva sã, fresca e madura, sendo o resultado de interações entre leveduras, fungos e bactérias, que perduram da vinha até a cantina de vinificação e o armazenamento.


Leveduras são fungos que ficam na superfície da uva e influenciam nos aromas e sabores do vinho, sendo leveduras autóctones as que ocorrem naturalmente em determinada região ou local.


A descoberta da função das leveduras na transformação da uva em vinho coube a Louis Pasteur (1822-1895), ainda no século 19, mas a importância desses pequeníssimos fungos nunca foi tão atual. Em décadas recentes, a Saccharomyces cerevisiae, presente na casca da uva, foi separada e selecionada em laboratórios, deixando a vida do enólogo muito mais fácil.


Até então, o que se sabia em países com tradição vínica, como Portugal, França e Itália, é que o mosto aparentemente “fervia” e, como em um passe de mágica, o açúcar da uva virava álcool.


Desde a descoberta de Pasteur e os estudos subsequentes, é possível escolher uma levedura a partir da característica do vinho que se quer elaborar: elas garantem a completa fermentação quando a uva está com muito açúcar, destacam aromas e até criam outros gostos à bebida. Tornam, enfim, a fermentação mais previsível e são ferramentas úteis à enologia.

A escolha por estas leveduras pode ser uma opção considerada, uma vez que, além de favorecerem a biodiversidade e estarem adaptadas ao vinhedo e ao ambiente de vinificação, também promovem a manutenção da tipicidade de determinada região e suas propriedades sensoriais. De modo geral, um conceito amplamente difundido no mundo vitivinícola, é o terroir, ou seja, a aquisição da personalidade de um vinho decorrente do território do vinhedo, da interferência humana na produção da uva e do vinho. Porém, estudos demonstram que as leveduras utilizadas na fermentação alcoólica podem interferir na qualidade gustativa e olfativa dos vinhos, inclusive de maneira mais intensa do que os outros componentes do terroir.


Assim, prospectar leveduras que efetivamente são do território e tenham aptidão enológica constitui-se numa alternativa relevante para diferenciar vinhos.


Mas nem só o terroir e as características genéticas varietais definem a qualidade do produto final. Os vinhos podem ter seu perfil sensorial modificado em função das diversas práticas enológicas utilizadas no mundo, além da filosofia adotada por cada vinícola. Nesta direção, a tecnologia enológica exerce um papel fundamental no sentido de reduzir deficiências e/ou potencializar as qualidades da uva.


A levedura é um dos principais fatores que afetam o sabor do vinho. Seu principal trabalho é converter o açúcar do suco de uva em vinho, mas o tipo de levedura usado afetará o sabor e os componentes aromáticos do vinho. Em resumo, usar levedura nativa (também chamada de "indígena" ou “selvagem”) pode trazer uma paleta mais ampla de sabores e aromas do que você obterá com levedura selecionada (também chamada de “cultivada”).


Mas mesmo que a levedura selecionada não produza vinhos tão bombásticos quanto o mesmo vinho feito com levedura nativa, ela acelera a fermentação enquanto converte o açúcar em álcool, dando-lhe uma consistência inspiradora de confiança toda vez que você a usa.


Ao longo do processo de vinificação, a levedura nativa está em toda parte. Ela está presente no ambiente do vinhedo, da vinícola, no porão, nas paredes, no teto e em todos os recantos de qualquer instalação de processamento ou equipamento de vinificação. Trabalhar com as leveduras nativas cria a oportunidade de realmente capturar a essência da vinha na garrafa. Por outro lado, o enólogo pode acabar com uma fermentação emperrada (presa) ou com um vinho realmente incomum.


São reconhecidos atualmente 149 gêneros de leveduras compreendendo cerca de 1.500 espécies, dentre as quais mais de 40 espécies foram isoladas do mosto de uva provenientes de fermentação espontânea. Muitos trabalhos são desenvolvidos em torno desse assunto a fim de elucidar sobre o que essas leveduras acrescentam aos vinhos. As mutações frequentes em leveduras nativas podem ser um verdadeiro curinga no processo de vinificação, e é uma decisão do enólogo avaliar se o risco de usá-las vale a pena ser corrido.


Por outro lado, os enólogos gostam de ter tudo sobre controle (bem, na maioria das vezes) e levedura selecionada é uma das ferramentas de produção que lhes dá controle sobre os resultados esperados. A levedura nativa nem sempre é suficientemente forte para terminar a fermentação (daí a preocupação com fermentações presas). E se o enólogo estiver compartilhando uma instalação de vinificação com outros produtores de vinho (o que é bastante comum em regiões que estão se consolidando como novas produtoras de vinho, em que os produtores levam suas uvas para vinificar numa instalação comum), os outros produtores que trabalham no mesmo prédio poderão introduzir inadvertidamente muitas outras leveduras na instalação e elas interagirão com as leveduras nativas que já estavam por lá inicialmente. Todas essas leveduras sofrerão mutação até algum nível e não há como ter certeza de como isso afetará seus vinhos.


Essa mutação não é necessariamente uma coisa boa ou ruim, significa apenas que a levedura original que uma vez foi inoculada se fortaleceu e se tornou mais forte. Existem muitos tipos / variedades diferentes de levedura, e os principais tipicamente encontrados na vinha só podem sobreviver para alimentar a fermentação até o vinho atingir cerca de 10-12% de álcool. Tudo bem se o enólogo estiver produzindo um vinho mais leve e mais delicado em uma zona climática propícia, mas se ele quiser fazer um vinho um pouco mais opulento, acabrá tendo que recorrer as variedades comerciais selecionadas que podem levar o vinho a 15-18% de álcool sem nenhum problema. Dai o uso das leveduras selecionadas ser ideal para os níveis típicos de álcool de 13,5-15% que estamos acostumados no Chile, Argentina, Califórnia, Austrália.


É claro que o enólogo pode começar a fermentação usando levedura nativa e depois seguir com levedura selecionada. Isto lhe dará o melhor dos dois mundos: a oportunidade de produzir o vinho mais transparente possível, que reflita as qualidades do vinhedo, e com a segurança que a fermentação se completará sem dificuldades.


Algumas vinícolas coletaram amostras das culturas de leveduras residentes em suas instalações e descobriram que elas tinham linhagens mutantes que se tornaram sua própria mistura identidade. Um dos casos mais famosos é a cepa Williams Selyem. É uma levedura de fermentação incrível, e acredita-se que seja uma mutação entre levedura nativa e várias outras linhagens que vivem na vinícola Williams Selyem, e que, ao longo dos anos, criaram uma levedura poderosa. Funciona muito bem na fermentação de Pinot Noir, mas também é útil para finalizar qualquer fermentação "problemática".


Esta vinícola, instalada em Russian Valley, é especialista em Pinot Noir, Chardonnay e Zinfandel. Seus 26 rótulos de pinot noirs são sempre bem reconhecidos e a lista de espera para receber seus vinhos varia entre 9 a 12 meses, mas já posssível encontrar alguns desses altamente procurados Pinot Noirs em lojas de varejo e alguns restaurantes - especialmente os 12 single-vineyard Williams Selyem Pinot Noirs, seus 4 Chardonnays finos e saborosos ou os 4 incríveis Zinfandels. Entre as curiosidades desta vinícola, está o fato de que nos primeiros tempos, quando eles estavam com um orçamento apertado, Burt Williams fez seus pinots em velhos tanques de laticínios. Os vinhos Williams Selyem ainda são feitos em tanques de leite que a vinícola agora tem que vasculhar o país para encontrar.


Nativas ou selecionadas? - Entre os entendidos de vinho, existe uma infindável discussão sobre o uso de leveduras nativas (fermentação espontânea) e selecionadas (fermentação domesticada). Não há um consenso real se o vinho perde ou não sua capacidade de expressar o terroir de onde vem e a safra da qual provém suas uvas ao se usar leveduras selecionadas.


Há quem diga que o verdadeiro vinho de terroir só pode ser produzido com leveduras nativas, da mesma forma que existem aqueles que consideram a levedura um mero agente de fermentação incapaz de interferir de modo decisivo nas sutilizas de uma bebida, sobretudo sabor e aroma, mesmo os de alta gama, argumentando, até com certo desdém, que as leveduras não passam de fermentadores e que o único papel destinado a elas na enologia é transformar em álcool o açúcar existente nas uvas.


Como exemplo, podemos citar o chileno Felipe Toso, da Ventisquero, que entende que de forma geral, as leveduras são, antes de qualquer coisa, “fermentadores”. Elke defende que há outros fatores que são muito mais importantes na hora de fazer o vinho, como a qualidade da uva, a safra, o terroir... Tudo isso é bem mais relevante do que as leveduras, que têm uma pequena porcentagem no resultado final da vinificação segundo ele. Mas pessoalmente, usa os dois tipos.


Já Marcelo Retamal, outro enólogo chileno que faz os vinhos da De Martino, tem uma visão um pouco diferente. Para ele, “apenas as leveduras indígenas podem produzir um autêntico vinho de terroir”. Para vinhos de alta gama, ele defende o uso de leveduras nativas, que são capazes de garantir uma maior tipicidade e um melhor alinhamento ao conceito de vinho de terroir, criando um vinho mais honesto, refletindo o terroir e a safra de forma mais autêntica. Seja ele um vinho bom ou ruim!


Debates à parte, o fato é que os vinhos produzidos com leveduras nativas ocupam os tanques de fermentação por mais tempo, o que encarece o processo de vinificação. Além disso, embora não haja consenso sobre a expressão de terroir e safra, sabe-se que, com diferentes leveduras, pode-se “ajustar” o processo de fermentação de uvas que tiveram algum comprometimento durante a colheita. Por isso muitas vinícolas utilizam leveduras selecionadas, conjugadas ou não com as nativas, dependendo da intenção do enólogo e da própria maturação das uvas.


Diferentes tipos de Leveduras Selecionadas - Hoje em dia, existem quatro grandes produtores de leveduras selecionadas, utilizadas no mundo todo. Lalvin (Lallemand), Red Star, White Labs e Wyeast fornecem as leveduras mais comuns encontradas no mercado internacional. São cerca de 30 tipos diferentes, cada um deles mais indicado para determinados vinhos.


O Lalvin BRL97, por exemplo, é uma levedura natural da uva Nebbiolo usada para tintos estruturados do próprio Nebbiolo, além de Zinfandel, Barbera e Merlot. Já a Lalvin Bourgovin RC 212, criada a partir de uvas da Borgonha, é mais adotada para fermentar a Pinot Noir.


Mais um exemplo é a Red Star Montrachet, bastante popular, tanto para tintos como brancos, mas funciona particularmente bem na vinificação de Chardonnay. Há ainda a Wyeast 3783 Rudisheimer, usada na produção de Riesling, e a White Labs WLP 730, recomendada para alguns brancos, em especial Chablis e também Sauvignon Blanc.


Seja vinho derivado da fermentação com levedura nativa ou selecionada, uma coisa é certa, prove-o com todo prazer!!! Saúde!!! Aproveite para comentar se gostou ou não!!!(Este artigo está baseado em material disponível na internet, entre eles o escrito por Erica Stancliff, Enóloga na Trombetta Family Wines e na Further Wines, e Ed McCarthy, que escreveu sobre “os lendários Pinot Noirs da Williams Selyem”, em outros artigos disponíveis na internet e minhas considerações e pesquisas).

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