A colina Hermitage, junto com a Côte Rôtie, é a joia do Vale do Norte do Rhône (Ródano em português). Erguendo-se orgulhosamente ao pé do rio, este terroir de 137 hectares plantados com Syrah (tinta), Marsanne e Roussanne (brancas) é composto por centenas de terraços, pequenas parcelas fragmentadas apoiadas em uma diversidade de solos únicos no mundo. A vinha é concentrada nas mãos de seis comerciantes, uma cooperativa e 21 caves privadas.
Relembremos alguns números importantes: 70% da vinha é de propriedade de M. Chapoutier (30,63 ha), Paul Jaboulet Aîné possui 21 ha, a Cave de Tain 19,57 ha, a Domaine Jean-Louis Chave possui 12,94 ha e a Maison Delas 8,30 ha.
Com solos menos graníticos, mas mais ricos em argila e loess, a zona leste do monte é majoritariamente reservada aos brancos. Um excelente terroir para Marsannes. A localidade Les Rocoules produz brancos tenros e perfumados.
A parte central do morro, voltada para o sul, é dividida em duas partes ao meio. No topo, Le Méal, com toques de calcário, sílica e seixos, dá origem a vinhos inebriantes com poder sedoso.
Na parte inferior, Les Greffieux combina volume e elegância. A área granítica de Bessards (35 ha), considerada o maior terroir tinto, oferece Syrahs concentrados e apimentados com uma extraordinária capacidade de envelhecimento.
As vinhas do alto da colina, junto à Capela, exprimem uma mineralidade ascética, com vinhos carnudos e frutados.
No lado tinto, os vinhos Hermitage não têm o mesmo sucesso comercial que os da Côte-Rôties. A tendência é mesmo para os jovens Syrahs, com uma paleta aromática finamente varietal (pimenta, bacon, violeta…), enquanto os vinhos da Ermida são néctares inteiros, com um caráter forte. São revelados à mesa, com gastronomia clássica, com aves de caça por exemplo. Acima de tudo, podem ser guardados por 20 ou 30 anos.
♦ A LENDA DA COLINA DE HERMITAGE - Uma lendária colina e história foram construídas, ao longo dos séculos, criando a reputação mítica deste grand cru. No início, a colina acomoda uma ermida fundada em 1224 por Gaspard de Stérimberg. Este cavaleiro de Blanche de Castille, voltando da cruzada albigense - e cansado de matar cátaros, escolheu o topo desta colina de granito para se retirar do mundo. Um detalhe que pouca gente sabe é que a Ermida é dedicada a São Cristovão.
A Cruzada albigense foi uma expedição militar convocada pela Igreja para combater o crescimento do catarismo, que foi a maior heresia em número de adeptos no sul da França durante o período medieval. Essa cruzada durou 20 anos (1209-1229) e resultou na submissão dos cátaros à autoridade da Igreja Católica.
Por conta de uma visão dualista, os cátaros afirmavam que o mundo material era essencialmente ruim e pertencia a um deus mau chamado Satã e somente o mundo espiritual era sagrado e pertencente a Deus. Os cátaros também eram chamados de albigenses porque a cidade de Albi era um dos principais centros dessa heresia na França medieval. O catarismo teve grande aceitação entre as camadas populares da região que estavam descontentes com a corrupção da Igreja Católica. Houve também a conversão de parte da alta nobreza local.
Os seguidores dessa heresia medieval condenavam o casamento e a procriação, negavam a existência da doutrina da Trindade (conceito que afirma que Deus, Cristo e o Espírito Santo são o mesmo ser, ou seja, Deus) e afirmavam que Cristo era um anjo enviado por Deus com a missão de salvar a humanidade. Além disso, acreditavam em reencarnação e questionavam o poder da Igreja Católica.
Durante décadas, a Igreja tentou combater o catarismo por meios pacíficos, e decidiram partir para uma Cruzada em solo francês. A primeira fase da Cruzada foi marcada pela violência em que se destacam os eventos da destruição em Béziers e Carcassonne e as conquistas dos cruzados católicos sobre os albigenses. Entretanto, a insurreição continuou por bom tempo e o catarismo só desapareceu por completo da França no século XIV, durante o reinado de Filipe IV, o Belo (o Rei francês que acabou trazendo o Papado para Avignon).
Henri Gaspard de Sterimberg que, no século XIII, depois de voltar das Cruzadas Albigenses decidiu viver como eremita nesta colina cedida por Blanche de Castill - Rainha da Espanha, restabeleceu uma vinha que, desde então, recebeu o nome de l'Hermitage. A vinha já existia na antiguidade, com os famosos vinhos de Vienne. O excepcional "vinho de palha" homenageado por certos viticultores seria também o herdeiro direto dos métodos de vinificação galo-romanos ... Este é apenas o começo de seu sucesso: também se diz que durante o reinado de Luís XIV, o Hermitage era o vinho preferido dos czares da Rússia ...
A lista de seus apreciadores era tão ilustre quanto incomparável: incluía, entre outros, Henrique IV, Luís XIII e especialmente Luís XIV, Nicolau II e Alexandre Dumas ... O Hermitage foi consagrado como AOC (Apellation d´Origine Controllee) em 1937.
♦ OS VINHOS DE HERMITAGE - A vinha de Hermitage estende-se por 137 hectares por três municípios do Drôme: Tain-l'Hermitage, Crozes-Hermitage e Larnage, na margem esquerda do Rhône. O clima tem influência mediterrânea, apesar da região ser continental. Protegida do vento norte, a maioria das encostas está voltada para o sul e recebe boa insolação.
Os solos são relativamente fáceis de entender em Hermitage. Como todos os maiores sítios do norte do Rhône, há o granito. Esta é uma regra simples: quanto mais a oeste você vai na colina - isto é, em direção ao rio - mais granito existe. A leste, você encontra mais depósitos glaciais do que em um terroir mais alpino.
É claro que há razão por trás da simplicidade. O rio Rhône forma um vale gigante separando as duas grandes cadeias montanhosas da França. A poente encontra-se o Maciço Central, onde existe granito. A Leste estão os Alpes. Portanto, em sua maior parte, os grandes terroirs do Rhône Norte são constituídos pelas bordas leste do Maciço Central.
Você pode estar pensando que o Hermitage - com seu irmão mais novo, Crozes Hermitage - não está realmente no lado leste do rio? Isso é verdade. Agora!
Mas, há muito tempo, o Rhône na verdade corria para o leste da colina de Hermitage. Como os rios às vezes fazem, ele mudou de curso e começou a fluir para oeste da colina. Uma anomalia nasceu e para simplificar, você pode pensar no Rhône Norte como sendo influenciado principalmente pelo granito do canto leste do Maciço Central, mas com influência dos Alpes em suas margens mais a Leste em Hermitage e Crozes-Hermitage.
Os Hermitages tintos (68% da produção anual atual), feitos com Syrah, podem receber acréscimo de 15% de Roussanne e Marsanne. A sua cor é um vermelho rubi profundo e persistente. À medida que envelhece, este vinho poderoso, carnudo e vigoroso adquire uma maciez surpreendente e uma grande acessibilidade ao paladar. Dotados de grande capacidade de envelhecimento (cerca de 30 anos), as melhores safras ganham finesse e harmonia com o tempo e desenvolvem notas requintadas de violeta, especiarias e groselha preta.
Os Hermitages La Chapelle de Jaboulet de safras como 1961, 1978 e 1990 são considerados alguns dos maiores vinhos tintos já feitos. Deve-se destacar que na década de 1990, a vinícola entrou em declínio e muitos dos vinhos apresentaram desempenho inferior. Talvez tenha sido por causa de disputas familiares, a morte do então patriarca Gerard Jaboulet e o excesso de produção. Em 2006, a família Frey (que possui o Chateau La Lagune em Bordeaux e é um dos principais acionistas da Billecart-Salmon) comprou a vinícola de Jaboulet e tem restaurado sua qualidade, introduzindo uma vinificação mais precisa e reduzindo significativamente os rendimentos. O vinho de Jaboulet está agora no meio de uma série de safras notáveis - 2015 a 2018 - que podem se tornar tão lendárias quanto as grandes safras da sua história.
Embora a produção de vinho seja semelhante, o La Chapelle de Jaboulet definitivamente tem um toque um pouco mais moderno do que o Hermitage da Maison Chave. Talvez seja simplesmente por ser um vinho mais frutado e exuberante. Os taninos são muito sofisticados, embora o carvalho apareça um pouco mais nos vinhos (embora, como em Chave, eles tenham uma rotação de barril de cinco anos que resulta em apenas 20% de carvalho novo por safra). Estes são ótimos vinhos que talvez precisem de um pouco mais de tempo na adega antes de prová-los.
A Chapoutier é outra empresa antiga, um pouco mais velha que a Jaboulet (que tem mais de 200 anos de fundação), com raízes numa importante vinícola de Bordeaux - a Calvet, e que desempenhou um papel significativo no desenvolvimento comercial do Rhône Norte. Eles são uma empresa gigante, produzindo cerca de sete milhões de garrafas por ano. Uma pequena fração dessas garrafas são Hermitage e podem ser muito boas.
Chapoutier é como um pólo oposto do Domaine Chave. Eles geralmente não misturam suas propriedades no Hermitage, e em vez disso concentram sua produção de tinto Hermitage em quatro vinhos designados por vinhedo único. Eles cultivam biodinamicamente e buscam rendimentos extremamente baixos com uvas superconcentradas. São 100% desengaçados e envelhecidos 40-50% em carvalho novo. Os vinhos são muito potentes, e pode-se dizer que são modernos. Destes três “Grandes Nomes”, considero o Chapoutier o menos acessível na sua juventude, e eles precisam ser envelhecidos por um bom tempo.
A região, entretanto, tem outros nomes Importantes: Ferraton - Outro importante negociante ligado à Chapoutier e que segue uma abordagem muito semelhante - agricultura biodinâmica, vinhos de vinha única - mas com uma tendência mais para a tradição. Bernard Faurie - Um pequeno produtor trabalhando em um estilo muito tradicional. Seus vinhos são difíceis de encontrar fora da França. Marc Sorrel - Outro pequeno produtor que se inclina tradicionalista. Seus vinhos também são difíceis de encontrar, e são importados para o Brasil pela Premium Wines (com lojas em BH e São Paulo).
Os Hermitages brancos (32% da produção anual), feitos a partir das castas Marsanne e Roussanne, apresentam uma cor amarelo dourado, e desenvolvem aromas cremosos e melosos de avelã, pêssego e damasco, e ainda fragrâncias florais de narciso e tília. São vinhos sem paralelo no mundo do vinho e expressam ao longo do tempo uma dualidade incrível: redução e oxidação. Dois fenômenos químicos opostos. Esses velhos brancos incomodam com seu nariz de praliné, de amendoim torrado e sua boca tânica de grão de mel.
Marsanne e Roussanne são as únicas duas uvas permitidas no Hermitage branco. É a uva Marsanne que domina num Hermitage branco. Quanto mais Marsanne, melhor o vinho envelhece, dizem os enólogos. E o vinho fica ainda melhor quando é feito a partir de vinhas velhas com rendimentos naturalmente baixos, cerca de 25-30 hl / ha. Além disso, o solo de granito, loess e giz ou argila calcária contribui para a textura rica, sedosa, quase exótica e oleosa de Marsanne. Em comparação, a uva Rousanne adiciona acidez e é mais aromática do que a Marsanne. A Rousanne tem notas florais, herbáceas, de pêssego, pera, e de nozes.
A Marsanne tem uma janela bastante pequena para a colheita devido ao delicado equilíbrio entre acidez e maturação. A Marsanne tem que ser colhida na altura certa, com níveis óptimos de maturação, de forma a manter o máximo de acidez possível para dar equilíbrio e frescura ao vinho. Glicerol parece ser a palavra-chave para este Hermitage branco. O glicerol enfatiza a viscosidade e o corpo do vinho, os aspectos oleosos, a sensação na boca deste vinho naturalmente rico. Permite o envelhecimento do vinho, mesmo com a sua acidez moderada. A maioria dos vinhos é deixada em suas borras finas por 6 a 18 meses, dependendo do estilo dos produtores.
Os vinhos brancos do Hermitage estão, na minha opinião, entre os maiores vinhos brancos feitos ao sul da Borgonha e a leste de Bordeaux. Eles são realmente únicos e mais especiais do que os vinhos tintos, especialmente considerando quantas regiões produzem vinhos tintos magníficos e dignos de guarda, e quão poucos podem dizer o mesmo sobre seus brancos.
Quanto à guarda, geralmente você quer esperar cerca de 10 anos antes de beber um Hermitage, embora ocasionalmente você encontre safras - 2011 vem à mente - que parecem muito boas em uma idade mais jovem. Obviamente, mantenha suas garrafas em uma adega com temperatura controlada.
♦ HARMONIZAÇÕES - Em suma, para o Hermitage tinto a combinação ideal é carne vermelha, especialmente filet e outros pratos de carne. Seja se for grelhado ou cozido em fogo aberto. Pense até numa costela de boi com um vinho mais fino...
Carne de porco também é boa opção, especialmente se for grelhada. As salsichas de alho Toulouse são divinas. Na verdade, o alho geralmente faz a syrah cantar, assim como as ervas aromáticas, como tomilho, orégano e alecrim (pense em comida provençal e do sul da França em geral). Porém, tenha cuidado com a pimenta-do-reino. Só porque há notas apimentadas em syrah não significa que você deve combiná-lo com comida apimentada. Algo como um bife com molho de pimenta pode anular as notas de pimenta e especiaria do vinho.
Azeitonas pretas vão bem com syrah se você quiser adicioná-las a um prato. E por que não cordeiro? Pessoalmente, acho que há combinações melhores. Cordeiro é melhor com um belo Cabernet (Bordeaux), Tempranillo (especialmente Rioja) e tintos italianos com um Brunello di Montalcino, mas isso é só uma opinião pessoal.
Combinações com pratos vegetarianos, prefira pratos saudáveis à base de feijão ou lentilha e vegetais de sabor intenso, como berinjelas e cogumelos.
Os brancos de Hermitage combinam deliciosamente com comida! Prove um vinho branco Hermitage com um risoto de trufas. A razão pela qual os brancos Hermitage estão se saindo tão deliciosamente com a comida pode ser explicada como resultado da qualidade única da uva Marsanne: ela cria uma nota amarga no paladar. Na sua estrutura existe um elemento amargo que torna o branco Hermitage ideal para a harmonização vinho-comida.
Assim como a doçura (açúcar) e o frescor (acidez) nos dão uma noção clara do que é doce e fresco, o amargo está destinado a nos dar uma qualidade de sabor igualmente distinta. O amargo é um dos sabores gastronômicos mais sutis se feito de forma correta e em equilíbrio com os elementos restantes de um vinho.
Além disto, outra característica especial do Hermitage branco é que ele não tem medo de alho. O alho não é um ingrediente fácil de combinar com vinhos brancos. Mas, o Hermitage branco é um vinho versátil. Ele combina muito bem com a rica cozinha francesa clássica. A sensação de maciez oleosa, tão dominante no paladar, e as notas florais, leves de anis, erva-doce e amêndoa - típicas de Rhône Marsanne e Rousanne - criam uma combinação perfeita entre uma cozinha que usa manteiga, alho e se tiver sorte, trufa.
Poucos rótulos no mundo do vinho tem o poder de nos levar a pensar em isolamento, em buscar a paz! Se este for seu caso, está mais que na hora de provar um Hermitage..................... Saúde!!! Aproveite para comentar se gostou ou não!!! (baseado em artigos disponíveis na internet e minhas considerações)
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