Como alguns vinhos estão ligados às personalidades que os bebiam de forma fiel, resolvi comentar sobre Personalidades e seus Vinhos, e começo por Napoleão Bonaparte.
"Nada faz o futuro parecer mais cor de rosa do que contemplá-lo através de uma taça de Chambertin". Napoleão Bonaparte
Napoleão era um homem de hábitos. Sua vida diária era ritualizada. Sabemos que pouco se preocupava com a boa comida e era mais sensível à simplicidade da gastronomia familiar ou militar. Ele sempre comia a mesma coisa, frango, costela de cordeiro, sempre se vestia da mesma maneira, e ia aos mesmos lugares, evitando qualquer mudança, segundo o especialista e historiador do Consulado e do Primeiro Império - Pierre Branda.
Em suas “Memórias Íntimas de Napoleão I”, o Camareiro Louis-Constant Wairy, primeiro entre o círculo de servos napoleônicos e o mais próximo de seu mestre entre 1800 a 1814, lembra que "o imperador bebia apenas Chambertin e raramente puro". Esse criado publicou suas memórias em 1830, dando uma visão geral da vida cotidiana de Napoleão, vista de perto, pelo buraco da fechadura, pode-se dizer!
O costume é confirmado por Mademoiselle Avrillion (1774 - 1853), a primeira empregada de Joséphine. A mistura ideal de vinho e água equilibra metade de um e metade do outro. Com uma garrafa de 50ml para almoço e jantar, as garrafas tinham que ser mantidas prontas em todos os lugares que Bonaparte frequentava. O hábito começou assim que se generalizou já que era necessário levar caixas desse Borgonha ao Egito.
Se a campanha foi vitoriosa para o futuro primeiro cônsul, foi desastrosa para suas garrafas, que dificilmente resistiram às mudanças de temperatura. “Naquela época, fazer vinho era complicado. Os preços de venda eram ridículos. Entre um pedaço de vinha e um cavalo como patrimônio de uma herança, era melhor escolher o cavalo”, assim fala o filósofo Pierre Damoy. O vinho era vendido em barricas, sem enxofre (sulfitos) para sua preservação e assim sendo, não viajava bem, nem tinha boas condições para guarda.
Autor de livros que retratam “Os Gostos de Napoleão” - Grasset, chega mesmo a sugerir que o imperador não gostava necessariamente de vinho, mas o levou por toda onde esteve, inclusive durante a campanha no Egito. Napoleão levou grandes cargas de Chambertin durante a campanha pelo deserto. O vinho acabou se estragando pelas condições de transporte e calor excessivo, e quando ele quis servir este “vinagre” aos seus soldados em vez de pagar o seu salário, eles não aceitaram a proposta, acrescenta Pierre Branda.
Os relatos de Louis-Constant dizem que jantar era servido às seis horas. Nas Tulherias e em Saint-Cloud, o imperador jantava sozinho com a imperatriz todos os dias, exceto aos domingos, quando toda a família era admitida para o jantar. O Imperador, a Imperatriz e a mãe ficavam sozinhos sentados em poltronas; todos os outros, fossem reis ou rainhas, tinham apenas cadeiras. Nunca se fazia mais de um serviço antes da sobremesa. Sua Majestade geralmente bebia vinho Chambertin, mas raramente puro, e pouco mais do que meia garrafa.
Além disso, o jantar com o imperador era mais uma honra do que um prazer para os admitidos, pois era necessário, como se costuma dizer, engolir rápido porque Sua Majestade permanecia à mesa apenas quinze ou dezoito minutos.
Em qualquer lugar e em todas as circunstâncias, no almoço, no jantar, sozinho ou com sua corte, nas Tulherias, em Fontainebleau, em Saint-Cloud, mas também em movimento e no campo, onde uma carroça, servindo de adega levava barricas de Chambertin para o imperador e bons vinhos para os oficiais.
Quer seja como Primeiro Cônsul ou Imperador, ele consumia meia garrafa de seu néctar da Borgonha em cada refeição. Napoleão misturava seu Chambertin com água gelada, hábito mediterrâneo, como era costume na Córsega, onde se colocava cubos de gelo no vinho tinto. Cabe lembrar que a capacidade normal das garrafas daquela época era menor - 500 ml em vez dos 750 ml de hoje.
Para muitos críticos atuais de vinhos, o Chambertin, é "um punho de ferro em luva de pelica, vinho escuro, concentrado, poderoso, cuja linha de base se baseia no violeta e no alcaçuz, às vezes uma pequena fruta preta nos solos mais setentrionais ou excepcionalmente na peônia muito agradável, como na safra de 2020”. Os Chambertin sempre foram vinhos muito sérios, e há farta documentação que comprova que Napoleão o bebia.
As opiniões divergem sobre como e quando ocorreu o encontro entre Napoleão e os vinhos da Borgonha. Foi durante sua estada na Escola Militar em Autun com seu irmão Joseph, como sugere o historiador do vinho Jean-François Bazin em seu Dicionário Universal do Vinho da Borgonha? Mas a esta sugestão, Pierre Branda – especialista e historiador – favorece a uma ocorrência posterior, porque “Em Autun, os irmãos Bonaparte eram crianças. Napoleão tinha 10 anos, é um pouco cedo para beber. Mas, entre 18 e 20 anos, ele já estava na Borgonha e na região de Besançon. Quando estourou a Revolução Francesa, Napoleão Bonaparte era oficial em Auxonne e depois em Valence. O vinho Chambertin era provavelmente uma bebida popular entre os jovens tenentes”.
Quem quiser reconstituir um desses jantares, em que seria necessário engolir tudo em quinze minutos, deveria antes saborear o Chambertin, uma vez que ele não é um vinho realmente democrático. Uma pessoa abastada e interessada na classificação dos vinhos da Borgonha, do mesmo nível de sutileza das regras na época dos jantares de Napoleão, teria então duas possibilidades: ou comprar uma garrafa de Chambertin (área do grand cru: 12,90 ha), ou uma garrafa de Chambertin-Clos-de-Bèze (15,40 ha), a segunda pode ser vendida com o rótulo da primeira, não sendo permitida a recíproca.
Chambertin ou Chambertin-Clos-de-Bèze, era o verdadeiro vinho que Napoleão raramente bebia puro e, portanto, cortado com um pouco de água? Não. Na época do Primeiro Império, foi permitido um truque bastante inteligente chamado de prática de equivalências. O comerciante borgonhês substituiu uma denominação por outra, considerada equivalente, desde que respeitasse os usos seculares, leais e constantes, basicamente para que todos pudessem ter este vinho nas suas adegas.
Para compreender totalmente a sutileza, devemos nos aprofundar na tese de doutorado de Christophe Lucand, historiador, professor da Universidade da Borgonha e ex-prefeito de Gevrey-Chambertin (Les Négociants en vin de Bourgogne, edições Féret).
“Os vinhos tintos da Côte de Nuits, do segundo e terceiro lotes cuvée dos municípios de Morey, Brochon ou Fixin, são comercializados sob o nome muito mais proeminente de Gevrey-Chambertin. Em Fixin, os vinhos classificados como primeiro cuvée dos climats (terroirs) de La Perrière, Clos du Chapitre, Les Arvelets, Les Hervelets ou Aux Cheusots, representam excelência e são considerados equivalentes aos climats de Chambertin e Chambertin Clos de Bèze. Ambos podem ser livremente associados e, dependendo da solicitação do cliente, substituídos. "
Desvendado o truque, e sabendo que Napoleão bebeu apenas Chambertin, entendemos que poderia ser feito a partir de certos climats de Fixin, que não fica longe, mas que também não é Gevrey. A prática das equivalências parece enganosa em nosso tempo, quando as denominações e a origem geográfica foram sagradas, mas era bastante aceitável cento e trinta anos “antes” do estabelecimento das referidas denominações (1936 para Gevrey-Chambertin e 1937 para Chambertin).
● O GOSTO PELO CHAMPAGNE - O gosto de Napoleão pela frugalidade está bem estabelecido e o champagne é um dos raros prazeres gastronômicos de que ele realmente gostava. Prova disso está nos arquivos da casa Moët, que mantém os registros contábeis das encomendas feitas por ele.
"Na vitória merecemos o Champagne e na derrota precisamos dele”
Napoleão Bonaparte
Embora frase seja frequentemente atribuída a outro grande estrategista e bon vivant - Winston Churchill.
Aparentemente, Napoleão era um mestre da sabragem - a arte de “decapitar” uma garrafa de champanhe com uma espada de cavalaria, que era costume entre os oficiais do exército na época, logo após as batalhas.
O primeiro registro está em nome de Napoleão Bonaparte, Primeiro Cônsul de Paris na data de 27 Thermidor ano 9 (15 de agosto de 1801, o aniversário de seus 32 anos!). Poucos meses antes da Batalha de Austerlitz, no início de setembro de 1805, um pedido do Imperador foi enviado a Estrasburgo e, sem dúvida, ele estava se preparando para comemorar um grande momento da história.
Napoleão sempre defendeu os produtos franceses. O conhaque, que reinava supremo na Europa, começava a enfrentar a concorrência do uísque, apesar do bloqueio imposto aos ingleses.
● NAPOLEÃO E SEU EXÍLIO - Quando Bonaparte foi exilado em Santa Helena em 1815, para onde foi enviado após a derrota em Waterloo e onde morreu em 1821, sua vida cotidiana foi naturalmente virada de cabeça para baixo. Seu Chambertin não suportava a viagem e os ingleses serviram-lhe um clarete (Vinho típico de Bordeaux na época) que o imperador não apreciou. Documentos encontrados relatam que Bonaparte e sua entourage consumiam por dia 50 garrafas de vinho, além de vários destilados.
Na verdade, os ingleses tiveram dificuldades para fornecer ao recluso em Santa Helena sua bebida favorita. Nunca se atreveram a servir-lhe Chambertin, para que o prisioneiro não pensasse que queriam envenená-lo.
O Conde de Las Cases relata uma anedota de Napoleão, que, sentindo-se doente, atribui sua situação "a um vinho novo ruim". E, a este respeito, confiou ao seu memorialista o conselho que lhe foi dado por "Corvisart, Berthollet e outros médicos e químicos", de cuspir imediatamente se o vinho tivesse um gosto ruim.
Um vinho branco doce da África do Sul, o Constancia - Grand Constance, que ainda hoje é conhecido como "vinho de Napoleão", era trazido da Cidade do Cabo para ele. Há registros de que mais mil litros de Vin de Constance foram enviados a Bonaparte em Santa Helena. Em seu leito de morte, Napoleão recusou todos os outros alimentos e bebidas oferecidos a ele, solicitando apenas um único copo de Vin de Constance.
Em 2016, uma garrafa de Grand Constance datada de 1821 e destinada a Bonaparte foi vendida por € 1.550. Uma frágil memória do cotidiano dos últimos dias do Imperador.
● JOSÉPHINE E A ADEGA DAS MARAVILHAS DE MALMAISON - Josefina de Beauharnais foi Imperatriz da França de 1804 a 1810 e Rainha da Itália de 1805 a 1809, como primeira mulher de Napoleão Bonaparte, sendo, portanto, a mulher mais influente da França durante o Primeiro Império Francês.
Nascida na Martinica em 23 de junho de 1763, com a idade de quinze anos, foi para a França para casar-se com o Visconde de Beauharnais. Após ter dois filhos com Josefina, Alexandre foi guilhotinado em consequência dos anos de Terror, em meio a Revolução Francesa.
No ano de 1796, viúva e com dois filhos voltou a casar, dessa vez com o general Napoleão Bonaparte, que mais tarde viria a se tornar o primeiro Imperador dos Franceses. É sabido que Napoleão gostava muito dos seus filhos, ao ponto de os adotar oficialmente como seus, não permitindo que os chamassem de adotivos.
A cerimônia de coroação de Napoleão, presidida pelo papa Pio VII, teve lugar na Catedral de Notre Dame, em 2 de dezembro de 1804. Num ato de egocentrismo, Napoleão tomou a coroa das mãos do papa e coroou-se, em seguida colocou a coroa na cabeça de Josefina, proclamando-a sua rainha e imperatriz dos franceses.
Em 1809, o imperador decidiu divorciar-se dela — Josefina teria ficado estéril, não podendo dar à França um herdeiro —, ocasião em que a imperatriz se retirou para o seu lugar preferido, o Castelo de Malmaison.
Josefina faleceu no ano de 1814 aos 51 anos. O inventário de sua adega revela a extensão do gosto refinado da proprietária de Malmaison. Mais de 13.000 garrafas estavam listadas na morte da ex-imperatriz, com destaque para muitos vinhos doces de vinhas que vinham da Andaluzia a Portugal, passando pela costa do Languedoc, as ilhas da Madeira e das Canárias. Estes vinhos, apreciados pela sua doçura, foram servidos durante o lanche da tarde ou como sobremesa nas numerosas recepções e refeições organizadas por Joséphine.
Um importante ponto de encontro para a elite e aqueles próximos à família imperial, a reputação da mesa de Malmaison resistiu ao teste do tempo. Certamente é um marco na história da gastronomia francesa. Joséphine de Beauharnais, habilmente aconselhada pelos melhores paladares do Império (Cambacérès e Talleyrand em primeiro lugar), brilhou com uma escolha ousada de vinhos prestigiosos e destilados exóticos, uma memória da sua Martinica nativa.
Vinhos de Bordeaux e Borgonha, champagnes, Côtes du Rhône e Reno, Muscats de Lunel e Roussillon, Vermute, licores italianos e da ilha eram regularmente servidos à mesa. Especialmente o rum era uma excentricidade crioula que encantava os hóspedes, principalmente quando servido como ponche, bebida já em voga no século XVIII, mas que se tornou referência no Império.
Joséphine adorou, tendo-o preparado escrupulosamente com os cinco ingredientes essenciais: chá, açúcar, canela, limão e rum. Motivo pelo qual a tigela de ponche fazia parte dos ... jogos de chá! Para agradar às senhoras, o ponche era servido gelado. Alguns dizem que se bebia primeiro esse ponche bem fresco porque atenuava o gosto do álcool e, portanto, agradou mais às mulheres.
Sabe-se que a Imperatriz não bebia muito de bebidas alcoólicas, mas a história conta que muitas vezes ela bebia um pequeno copo de ponche antes de dormir. Não é de admirar, porque esta bebida foi creditada por garantir um sono tranquilo especialmente numa noite mais fria. Não havia nada de incongruente na presença de uma tigela de ponche em um quarto no início do século XIX.
Saúde!!! Aproveite para comentar se gostou ou não!!! (baseado em artigos disponíveis na internet e minhas considerações)