Uma observação ao longo do tempo que estudo o assunto vinho e oriento Confrarias, é que o consumo dele diminuiu em várias regiões do mundo, na medida em que o interesse pela bebida de Baco aumentou!
Recentemente li um artigo da Revue du Vin de France (RVF) que faz uma análise sobre o tema. Em dez anos, a participação do público francês de 18 a 30 anos que bebe vinho pelo menos uma vez por semana caiu de 39% para 31%.
Vários fatores explicam a queda acentuada no consumo de vinho na França. Todos os estudos locais dizem isso. O consumo anual de vinho tranquilo (ou seja, não espumante) por uma família francesa caiu de 38 litros em 2008 para 29 litros em 2015, de acordo com um estudo publicado em 2019. Isto é o equivalente a uma garrafa a menos por mês e por família!
Atualmente, apenas 15 % dos franceses dizem que bebem vinho diariamente quando estavam na maioria há cerca de quarenta anos, confirma Jérôme Fourquet, diretor do Departamento de Opinião da IFOP (Instituto Francês de Opinião Pública), em seu último livro.
Que fatores favoreceram essa evolução? Para começar, o comportamento dos franceses mudou. A globalização também age na vida cotidiana: as refeições familiares tradicionais não são mais a norma e cada vez mais os franceses dedicam muito menos tempo à alimentação, mais e mais frequentemente consumida na frente de uma tela. Em alguns estudos, o consumo diário de vinho durante as refeições, é restrito aos homens com mais de 50 anos, como lembra um estudo de Franceagimer publicado em 2017.
A própria composição da família francesa mudou e desempenha um papel decisivo. Sabemos que as casas compostas por uma pessoa compram muito menos bebidas alcoólicas do que as de famílias que vivem em torno de um casal e seus filhos. No entanto, o número de solteiros e famílias únicas está aumentando constantemente. Segundo a INSEE, de 8 milhões de famílias francesas com filhos menores, 23 % são únicos, duas vezes mais do que em 1990.
Esse declínio na família nuclear tradicional e o “apagamento” da refeição da família penaliza a transmissão do cultivo de vinho dentro de casa. De acordo com um estudo da IFOP, 12 % dos jovens nunca beberam vinho em família. Aqui nos aproximamos de um ponto muito sensível: três em cada dez jovens nunca bebem vinho e 66 % deles não o tocam porque não gostam do seu gosto. Verificando o caráter cultural do vinho: começar a bebendo vinhos de Bordeaux ou Borgonha não é apenas uma questão de gosto, é o resultado de um aprendizado e proximidade com o vinho, especialmente aprendido na família.
A composição sociológica da população francesa também mudou, e não foi pouco. Em 2016, 7 % dos jovens franceses declararam nunca beber vinho por causa de sua religião. Aqui está a crescente influência do Islã, a única grande religião para proibir o consumo de álcool. E podemos ver claramente, na região de Paris, que os fluxos de bebida alcoólica quase desapareceram das ruas das antigas cidades que hoje se tornaram principalmente muçulmanas, como Saint-Denis ou Trappes.
Em seu livro “O Arquipélago Francês, Nascimento de uma Nação Múltipla e Dividida”, Jérôme Fourquet também analisa a explosão do consumo de cannabis (maconha) com a diminuição não menos espetacular no consumo de vinhos. Hoje, um jovem com menos de 17 anos em dois (47,8 %) já experimentou cannabis pelo menos uma vez, enquanto 61 % dos jovens dizem que nunca ou raramente bebem vinho. "Colocar em perspectiva da evolução do consumo de vinho e cannabis torna possível observar uma inclinação geracional e cultural no processo de ocorrência diante de nossos olhos", analisa Jérôme Fourquet.
O vinho tinto é particularmente afetado por esse desenvolvimento negativo: quase metade (43 %) do volume de vinho tinto é comprada por pessoas com mais de 65 anos ou mais, enquanto apenas 5 % por famílias com menos de 35 anos de idade. E hoje, apenas duas bebidas alcoólicas têm um perfil resolutamente jovem. Cerveja (20 % das compras por famílias abaixo de 35) e certos destilados, incluindo tequila, gin e vodka (56 % das compras por famílias abaixo de 50 anos).
Há ainda outra questão interessante na vida dos franceses hoje em dia. Janeiro é considerado um mês “sem álcool” e sobretudo os jovens estão adotando a postura de não beberem álcool durante este mês. Novembro é o mês “sem cigarro” !!! Ficar um mês em 12 sem consumir álcool traz consequências ao mercado de vinho e de bebidas em geral.
Essa visão geral não seria completa sem mencionar a evolução dos gostos. Os gostos alimentares dos paladares franceses são cada vez mais formatados por doces, por refrigerantes, sorvetes. Entre os jovens, o estudo de Franceagrimer confirma que os franceses estão bebendo cada vez mais bebidas refrescantes e sem álcool. Por que os jovens favorecem a cerveja? Por ser mais barato, muitas vezes doce e "quase nunca decepciona, ao contrário do vinho", analisa Olivier Dauga, consultor de Bordeaux, já que muitas vezes a expectativa de quem não tem costume de beber vinho seria por uma bebida suave, mas encontra uma bebida seca. As cervejas artesanais, abrem novos horizontes em termos de gostos, métodos, embalagens, enquanto os vinhos tradicionais tendem a não agradar os paladares de muitos jovens.
Um número final, de um estudo recente, dá uma idéia da representação do vinho entre os jovens: se 32 % deles associam a cerveja como um aperitivo e 43 % como bebida para festas, eles são apenas 12 % para associar o vinho como aperitivo e 13 % para festas. Para a maioria dos jovens (40 %), o vinho está associado a refeições durante o fim de semana. Apenas 18 % para associam-no à refeição realizada durante a semana.
Enquanto a tendência francesa é de redução na demanda de vinhos, o consumo da bebida no Brasil cresceu durante a pandemia de covid-19, de acordo com um relatório divulgado pela Diretoria de Agronegócio do Itaú BBA. Os brasileiros compraram 430 milhões de litros de vinho em 2020, o que representa um avanço de 18,4% sobre o ano anterior e o maior volume desde 2000. Mais de 50 milhões de brasileiros, ou cerca de 36% da população adulta do País, consome a bebida regularmente, uma proporção equivalente à dos Estados Unidos, segundo a Wine Intelligence.
Cada brasileiro, em média, bebeu 2,64 litros de vinho em 2021, segundo estimativa da Ideal Consulting. Os argentinos, que registram o maior consumo per capita nas Américas, bebem 30 litros por ano, enquanto os portugueses, os maiores consumidores individuais do mundo, chegam a 69 litros por ano.
Além disto, os brasileiros estão procurando vinhos de maior qualidade, e o mercado brasileiro está passando por uma mudança de perfil do consumo. Em 2021, pela primeira vez, houve um aumento na procura por bebidas de maior qualidade. Foram comercializados 217 milhões de litros de rótulos finos, enquanto os vinhos de mesa responderam por 205 milhões das vendas, aponta a União Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra).
Hoje, um público muito maior se interessa em provar vinhos, em parte resultado de um esforço das vinícolas investirem em marketing, e aumentarem a presença na internet desde a pandemia. A frequência na apreciação de vinho aumentou para 28% dos brasileiros durante a pandemia, segundo estudo “O Mercado de Vinhos”, realizado no fim de 2021 pelo clube de assinaturas Wine. A pesquisa aponta que 20% dos brasileiros passaram a beber em ocasiões diferentes, e 15% costumam consumir vinhos quando estão sozinhos.
Esta expansão do consumo nacional de vinhos tem chamado a atenção do mercado internacional. As importações saltaram de 120 mil toneladas, com valor total de US$ 372 milhões em 2019, para 160 mil toneladas e US$ 478 milhões em 2021, de acordo com informações do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
O Chile, quarto maior exportador de vinhos do mundo em volume, tem o Brasil como o segundo maior destino de suas bebidas, atrás apenas da China. Em 2021, o país vizinho representou mais de 43% das importações brasileiras do setor, com o envio de 70 mil toneladas que totalizaram US$ 183 milhões.
Além dos chilenos, os argentinos - responsáveis por 17% das compras brasileiras - contam com a isenção de impostos alfandegários devido ao Mercado Comum do Sul (Mercosul), que garante uma vantagem competitiva em relação aos europeus. Ainda assim, Portugal, Espanha, Itália e França representaram 40% das importações do Brasil em 2021.
A produção nacional, especialmente da Região Sul do Brasil - Serra Gaúcha, concentra 90% da produção da viticultura nacional, segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). A cadeia produtiva de vinhos e uvas movimentou R$ 11 bilhões em 2019, incluindo os diferentes canais de distribuição e o enoturismo, e emprega mais de 200 mil pessoas. O Brasil é o único país do mundo que conta com três tipos de viticultura, o que proporciona uma diversidade única de sabores para a produção nacional. A viticultura tradicional se desenvolve amplamente nos Estados do Sul, além de pontos do Rio de Janeiro, de Minas Gerais e de São Paulo, e está presente há mais de um século no Brasil.
A produção tropical, desenvolvida no final da década de 90, está presente no Vale do Rio São Francisco, entre Bahia e Pernambuco, numa latitude até então impensável para o mundo do vinho (8º), a região caminha para ser uma das importantes produtoras vitivinícolas do país e desperta a curiosidade mundial. Responsável por 99% da uva de mesa exportada pelo Brasil e pela produção de mais de 5 milhões de litros de vinho por ano, o vale vem se destacando como modelo de desenvolvimento para o Nordeste. A vinicultura pernambucana/baiana emprega diretamente mais de 30 mil pessoas na única região do mundo que produz duas safras e meia por ano.
Já a viticultura dos chamados vinhos de Colheita de Inverno abrange locais com altitude entre 700 metros e 1,2 mil metros, com destaque para a Chapada Diamantina (BA), os Estados do Sudeste como Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo, além de Goiás e o Distrito Federal.
A partir das condições climáticas de inverno da região (pouca chuva, frescor noturno) e as situações ideais para maturação e boa colheita da uva e, assim, apostar na mudança do ciclo da videira – fazendo duas podas anuais, para colher as uvas no inverno, o calendário do vinho foi modificado. A colheita das uvas para os vinhos começa em junho, e assim o período de crescimento fica mais longo; o potencial alcoólico, maior; os precursores aromáticos e compostos fenólicos, mais numerosos; a acidez, mais preservada; e o rendimento, superior.
A dupla poda (também chamada de poda invertida), vem dando muito certo na região. Tornou o Sudeste brasileiro uma bem-sucedida região produtora de vinho, com algumas vinícolas nos arredores da Serra da Mantiqueira premiadas internacionalmente. É aqui que ficam, por exemplo, Guaspari, Casa Geraldo, Maria Maria, Stella Valentino – apenas para citar algumas, já florescendo na região de Diamantina, no norte de Minas.
A nós brasileiros resta fortalecer a produção nacional! Então, beba vinho e tenha orgulho dos nossos vinhos !!! Saúde!!! Aproveite para comentar se gostou ou não!!! (Este artigo está baseado em material disponível na internet, e minhas considerações durante a prova dos vinhos e pesquisas).
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