Ter a presença de Pascal Marty em Belo Horizonte é uma oportunidade imperdível de participar de uma aula de como fazer vinho.
O francês Pascal Marty se formou em enologia na universidade de Bordeaux e estreou como enólogo na histórica safra de 1982, trabalhando no Château Mouton-Rothschild, um dos cinco produtores de 1er. Cru Classé de Bordeaux.
Ele fazia a supervisão enológica dos châteaux do Baron Philippe e em 1996, a Baronesa Philippine de Rothschild, sucessora do Barão, o convocou para começar um novo projeto da família, desta vez no Chile, onde foi criada a joint-venture que resultou no Almaviva.
É importante lembrar que Pascal foi responsável por acompanhar a parceria do Baron Philippe de Rothschild com uma vinícola californiana de Robert Mondavi, resultando no ícone Opus One.
Então, com um currículo admirável, a frente de dois ícones do Mundo do Vinho, Opus One e Almaviva, em 2003, Pascal desenvolveu outro projeto que levou à criação do primeiro ícone da vinícola chilena Cousiño Macul, batizado de Lota. Desde seu lançamento, o vinho recebeu notas acima de 93 pontos e elogios da crítica especializada. Não satisfeito com tanto trabalho, o francês ainda fundou a Viña Marty, no Chile, onde elabora seus próprios vinhos desde 2009, onde a tradição e experiência do Velho Mundo se fundem com a modernidade e inovação do Novo Mundo.
Pascal é apaixonado pelo Chile, não só pelas belas paisagens, mas pelas condições de terroir e produção que estão entre as melhores do mundo. O Chile tem muita variável que permite escolher um vinhedo de acordo com o que você quer fazer. Do oceano à cordilheira, as condições climáticas variam graças à influência da corrente de Humboldt que esfria as costas do Chile e do frio que desce da cordilheira todas as noites para resfriar os vales.
O impacto do sol também varia de Sul para Norte. As altitudes variam entre a borda do mar e a cordilheira. Aliado a tudo isso, você pode adicionar orientações de inclinação e natureza do solo. A multiplicação de todos esses fatores define terroirs muito diferentes uns dos outros e o enólogo pode realmente escolher precisamente o tipo de vinho que ele quer criar, já que criação é a palavra-chave na vida de um produtor de vinhos.
Pascal explicou que desde a época de universidade aprende-se que quanto menor a temperatura de fermentação dos vinhos brancos, melhor é o resultado e integridade aromática. Enquanto as leveduras do vinho branco fermentam a uma temperatura média de 12ºC, as leveduras de saquê agem entre 0ºC e 5ºC.
Então, a levedura ideal para produção de vinhos brancos deveria fermentar a baixa temperatura, mas em geral ela se hiberna, (fica “mareada” nas palavras dele), e assim numa certa hora, os enólogos precisam aumentar a temperatura para completar a fermentação do vinho. A levedura deveria começar a fermentar a 7 ou 8ºC e durante as duas semanas vai subindo a 11 ou 13ºC. Está é a dinâmica típica para vinhos brancos!
Há 40 anos viaja ao Japão e numa noite de “bebedeira” com amigos japoneses, ele foi apresentado a leveduras que fermentam a 0ºC (em algumas situações os saquês são fermentados em altas montanhas a baixas temperaturas), e isto seria uma vantagem para fazer fermentação de vinhos brancos diferenciados.
Daí, nasceu a ideia de criar vinhos brancos usando leveduras de saquês. Mas antes de entrar na história para obter estas leveduras, vale esclarecer que, embora saquê seja o termo popularmente conhecido do fermentado de arroz, o nome correto para a bebida é Nihonshu. Saquê equivale ao termo genérico para qualquer bebida alcoólica japonesa.
Ele demorou 6 anos para conseguir obter as leveduras, tendo que mostrar sua ideia e fazer diversas apresentações para a comissão de produtores de saquê, mostrando o que queria fazer, que conhecia o universo do nihonshu e não iria se apropriar de forma irresponsável de um patrimônio japonês.
Uma vez aceito na Associação, com o apoio da comissão e dos pesquisadores da Universidade de Tóquio, teve a ajuda para escolher as leveduras mais apropriadas para usar nos vinhos. Há um catálogo, com dezenas de leveduras de saquê, que é administrado e distribuído pela comissão japonesa dos produtores de saquê. Para o Sauvignon Blanc foi usada a levedura 7, empregada na produção de saquês mais delicados e complexos, da família “junmai”, e para o Chardonnay foi utilizada a levedura 9, que cria boa estrutura na boca e aromas mais pungentes. Na Pinot Noir foi utilizada a mescla das duas leveduras.
Outra história contada por Pascal foi o nome do vinho. Na realidade, o nome e o desenho do rótulo só foram decididos quando o vinho já estava pronto. Os autores do nome do vinho são os irmãos Yuko e Shin Kibayashi, criadores do mangá que ilustra uma saga de personagens em busca dos melhores vinhos do mundo Kami no Shizuku, ou Drops of God (Les Gouttes de Dieu, na França). O mangá foi um sucesso global e superou a marca de 15 milhões de cópias em circulação.
Os irmãos Kibayashi são seus amigos, e quando Pascal levou o vinho para provarem, eles perceberam ser algo muito puro, como uma gota de prata, resultando no nome original do rótulo, que é Gin no Shizuku (literalmente "gota de prata" ou Goutte d’Argent).
Entretanto, a ideia romântica de fazer vinho nem sempre acontece na prática da mesma forma. Tudo começou em 2017 com o Sauvignon Blanc, sem sulfito, a 5 ºC e a levedura não fermentava! Então achou que o ensaio tinha fracassado, já que o vinho normalmente fermenta em duas semanas. Descobriu que trabalhar com leveduras de saquê exige paciência e fé, este Sauvignon Blanc fermentou em 140 dias, prazo em que a criação de biomassa foi absurda e ela fazia sua própria “batonnage” e criava aromas complexos e um grande volume de boca. Na safra de 2019 agregou um vinho da Chardonnay e em 2020 criou o vinho da Pinot Noir!
O desenho do rótulo é interessante porque o corte superior lembra a Cordilheira dos Andes no Chile e a linha lateral corresponde ao limite do território! As vinhas ficam localizadas em Leyda, perto do Oceano Pacífico, local de solos rochosos e de composição granítica, onde as raízes captam a mineralidade e a complexidade das rochas, cuidadosamente podadas e submetidas a uma gestão rigorosa das copas. Quando em ótimo estado de maturação, elas são colhidas manualmente em lotes selecionados e classificados cuidadosamente e enviadas para tanques de inox onde passam por fermentação a frio. A harmonia com a natureza e o uso de métodos sustentáveis para o processo de cultivo, produção e manutenção dos vinhedos são valores essenciais para Marty.
NOTAS DE DEGUSTAÇÃO DOS VINHOS DE PASCAL MARTY:
♦ Goutte d´Argent Sauvignon Blanc tem muito toque floral, notas de frutas cítricas, com leve tostado no nariz e bela intensidade. No paladar revela bela acidez, final de boca com sabor de umami (talvez por conta da levedura nos remeter ao condimento japonês do glutamato monossódico – Ajinomoto), resultando ser longo e untuoso. cremoso, com boa acidez, equilibrado e harmônico. Final longo e cremoso.
♦ Goutte d´Argent Chardonnay tem cor amarelo claro com tons esverdeados. No nariz tem bela intensidade com notas de flores brancas, damasco e frutas cítricas e leve tostado. É um vinho elegante, complexo cremoso e com acidez bastante equilibrada. Lembra o Velho Mundo, um belo branco do norte da Borgonha, como um Chablis sem tanta mineralidade, muito elegante e floral como os vinhos do norte de Borgonha!!! As uvas vêm de um vinhedo em Leyda, terroir de clima mais frio e que gera frutas de alta qualidade.
♦ Goutte d´Argent Pinot Noir parece efetivamente um pinot chileno, com mais intensidade, potência e corpo do que um francês. Os sabores remetem a cerejas frescas e notas intensas de cassis, rosas e leve mineral, taninos elegantes e finos, com um final longo e equilibrado.
♦ KALAK- Pascal contou a história de uma lenda inca envolvendo dois amantes. A moça morreu e foi enterrada numa gruta. “Pacha Mama” condoída pela tristeza do rapaz, transformou o inca na montanha e quando o sol se põe, a luz ilumina o coração da montanha que vai proteger a sua amada dos espíritos da noite! O equilíbrio do nome deu a ideia do equilíbrio do vinho! Um belo vinho produzido por Pacha Mama!!! Muita fruta negra! Muito equilibro!!! Primeira safra 2012, e saiu muito devagar, 2013 não teve. Teve 2014 e 2016 e 2018!!! De cor rubi escuro, com notas de frutas vermelhas, e toques de baunilha e café. No paladar mostra ótima estrutura, taninos macios, mas que mostram sua textura. A mistura das três uvas – Cabernet Sauvignon, Merlot e Syrah, traz equilíbrio e elegância. Final muito longo, suave e muito prazeroso.
♦ SER SYRAH: Ser são as pessoas e elas são o terceiro elemento do Terroir! Então, o que representa um vinho de Terroir numa hora que tudo está mudando tanto? Um tributo para as pessoas que trabalham com Marty. A esposa de Marty era siciliana e armênia. Ser em armênio significa amor!!! O Syrah é a menor fração do vinhedo! Um vinho de cor púrpura e escura, denso e profundo. No nariz tem notas florais e leves tons de baunilha, evoluindo ao longo do tempo em taça para as notas de especiarias de pimentas rosas, toques defumados e minerais. Há uma explosão de frutas escuras como amoras, ameixas e cassis. Seu estágio por 15 meses completam os toques balsâmicos, tostados e especiarias. Na boca mostra potência e boa acidez, com taninos macios. Um belo vinho que cresce na taça com notas de especiarias e florais, onde reinam as frutas escuras e vermelhas.
Os vinhos de Pascal Marty estão à venda em BH na Casa do Porto – Rua Bernardo Mascarenhas, 45 - Cidade Jardim, Belo Horizonte – MG I Tel.: (31) 2551-7078.
Se ainda não provou os vinhos de Pascal Marty, este pode ser um bom começo!!!
Saúde!!! Aproveite para comentar se gostou ou não!!! (Este artigo está baseado em material disponível na internet, e minhas considerações durante a prova dos vinhos e pesquisas).
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