Preparando as malas para uma viagem por Mendoza com um Roteiro Enogastronômico carinhosamente preparado pela Zenithe Travelclub de Mariella Miranda e German Alarcon Martin, durante o próximo mês de março, escrevemos na semana passada sobre a Malbec, a uva emblema da Argentina.
Mas o universo de vinhos e castas vai muito além desta uva. Além da Malbec, muitas outras uvas são cultivadas na Argentina e dão origem a ótimos vinhos. As tintas Cabernet Franc, Cabernet Sauvignon, Bonarda, Merlot, Pinot Noir e Syrah, por exemplo, e as brancas Torrontés, Sauvignon Blanc e Chardonnay.
Como já escrito no artigo anterior, as primeiras uvas finas, da espécie Vitis Vinifera, desembarcaram na Argentina durante o século XVIII. O agrônomo francês Michel Aimé Pouget, que já havia empreendido um importante trabalho na estruturação da viticultura do Chile, foi o responsável por levar as primeiras mudas de variedades francesas para a Argentina, como Malbec, Cabernet Sauvignon, Merlot e Pinot Noir.
O desenvolvimento da indústria do vinho teve um grande impulso com a expansão da Ferrovia Transandina à região de Mendoza, no ano de 1885, uma vez que a ferrovia permitiu que os vinhos de Mendoza fossem mais rapidamente transportados até a capital Buenos Aires e dali distribuídos para o resto do país.
Assim, a produção de vinhos na Argentina quintuplicou entre o final do século XIX e a metade do século XX, entretanto, a maior parte das vinícolas ainda focava seus esforços na elaboração de vinhos de mesa de baixa qualidade, focados no mercado interno.
Tudo começou a mudar durante a década de 1990, quando produtores como Nicolás Catena Zapata, da Catena Zapata, investiram em modernas técnicas de cultivo e vinificação, como o uso de tanques de aço inox e barris de carvalho francês, visando elevar a qualidade dos vinhos argentinos.
● AS OUTRAS UVAS DA ARGENTINA
♦ BONARDA - Uma variedade muito importante na Argentina é a Bonarda. Hoje é a segunda casta mais plantada no país, logo após a Malbec, com 18.153 há plantados e 15,59% do total de tintas. A Bonarda é uma uva de maturação tardia e por isso ela se aproveita muito das variações de temperatura, produzindo vinhos de cor muito intensa e altos níveis de acidez e taninos.
Conhecida no mundo como Charbono ou Corbeau Noir, no país foi confundida ampelograficamente até 2009, quando se conseguiu identificá-la com precisão através de análises de DNA. Oriunda da região francesa conhecida como Savoia, na Argentina está plantada em zonas quentes e produtivas, onde dá vinhos frutados, simples e de corpo médio. 83,5% dos vinhedos estão cultivados em Mendoza, enquanto San Juan acumula 12,3%.
Os vinhos de Bonarda são muito fáceis de beber e muito frutados, quando oriundos de zonas de temperaturas moderadas a frias, o que representa uma média de 1 de cada 10 garrafas, tem estilos mais frescos.
Atualmente muitas vinícolas tem investido muito nessa variedade fazendo vinhos surpreendentes e muito elegantes. Mendoza e San Juan são regiões que se destacam por esses vinhos.
♦ CABERNET SAUVIGNON - A Cabernet Sauvignon é uma das uvas tintas mais populares no mundo e considerada a rainha das uvas, e na Argentina não poderia ser diferente, ocupando 14.129 hectares, ou 12,13% do total de tintas, o que equivale a 6,7% de toda a área cultivada.
A terceira das uvas tintas mais plantadas da Argentina é a mais difundida no mundo. Oriunda da região francesa de Bordeaux, no país se concentra em Mendoza, com 76% da superfície, seguida de San Juan com 9,9%, La Rioja com 5,4%, Salta com 3,25%, Catamarca com 2,2% e a Patagônia, com 2,6%, sendo 1,9% em Neuquén.
No país, a Cabernet Sauvignon dá origem a ótimos vinhos varietais, podendo ser encontrada, também, em vinhos de corte, ao lado de outras uvas populares na Argentina, como a Malbec. Para muitos argentinos é a melhor expressão dos seus vinhos. Eles apreciam muito os vinhos da Cabernet Sauvignon e concorrem com os feitos no Chile.
Os Cabernets Argentinos contam com bom corpo, acidez bem integrada e taninos refinados. No nariz, revelam aromas de frutas negras maduras, como ameixa preta, cereja e groselha, além de notas herbáceas.
Aqui a passagem por barricas e outras técnicas de vinificação tem sido amplamente usada para produzir grandes vinhos. Os ovos de concreto, que tem um conceito natural de agitação e homogeneização, vem gerando grande exemplares dessa casta.
♦ SYRAH - Desde que começou a ser plantada na Argentina, a Syrah foi muito utilizada em cortes, entretanto, foi na última década que passou a ganhar maior atenção dos produtores.
A Syrah é uma das uvas tintas mais cultivadas na Argentina, ocupando uma área de 11.797 hectares, ou 10,13% do total de tintas, o que equivale a cerca de 5.8% de todos os vinhedos do país. Originária da região vitivinícola do Rhône, na França, a Syrah adaptou-se muito bem ao terroir da Argentina, principalmente nas regiões de Mendoza, San Juan e de Salta.
Além de dar origem a vinhos varietais, na Argentina a Syrah também é comumente utilizada em cortes com a uva Malbec. Hoje, produz varietais leves, frescos e de longa persistência. A uva se adaptou melhor em San Juan, mais especificamente no Vale de Tulum, onde recebe forte insolação. Nas regiões mais frias de Mendoza, como o Vale do Uco, desenvolve melhor estrutura, criando grandes vinhos quando estagiam em madeira.
Os Syrahs argentinos têm coloração intensa e forte nota de frutas escuras, especialmente a ameixa e amora. Quando jovens, podem apresentar delicados aromas florais e depois de passagem por carvalho, notas de especiarias (pimenta do reino) e toques de couro e de animais.
♦ CABERNET FRANC - Vinhos incríveis estão sendo feitas com a Cabernet Franc como Blends. A uva cabernet franc agrada muito o paladar com seus deliciosos vinhos e conquistou degustadores em todo o mundo. Seu cacho possui o tamanho pequeno e cor violeta acentuada, seus bagos são delicados e possuem formato redondo.
Durante seu amadurecimento, se houver excesso de frio produz vinhos pálidos e sem sabor, porém com o calor gera um aroma excessivamente herbáceo. Com uma acidez natural, a casta cabernet franc produz vinhos tintos e rosés que são ótimos para serem harmonizados com queijos, cogumelo, tomilhos e alecrim.
Com somente 1146 hectares na Argentina, há vinhos elaborados com esta variedade que obtiveram as pontuações máximas em publicações como Wine Advocate. O Gran Enemigo é um favorito há anos, não somente o de Gualtallary (nessa edição 85% CF com 100 RP), mas também terroirs como El Cepillo ou Chacayes. O Gran Enemigo é uma das explorações mais interessantes desta variedade na Argentina com porcentagens de Malbec no corte.
A cor é geralmente escura, e o vinho é concentrado. No nariz intenso aparecem os aromas de pimentão verde assado e de cassis, com algo de pimenta do reino e um traço de eucalipto e cardamomo. Chega a lembrar os Cabernets Sauvignons de colheitas mais frias e os Carménère chilenos.
Há enólogos e amantes de vinho que se assustam com esse traço “verde”. Entretanto, uma vez que sejam revelados taninos maduros, intensos, redondos, está descoberto o segredo que afasta o toque verde, diferente, selvagem, numa casta que ao mesmo o tempo crie um vinho tão elegante com pouco de tempo na garrafa.
Desde que a Argentina invadiu o mercado com seus graciosos e suculentos Malbec, paralelamente tentaram encontrar um par, tanto tinto quanto branco. Falou-se da Cabernet Sauvignon, por exemplo, mas essa variedade, para muitos críticos de vinhos, ainda não consegue se equiparar em qualidade e, sobretudo, em confiabilidade e consistência com a Malbec. Recentemente, surgiu outra alternativa ou, se preferem, outra candidata para acompanhar ou talvez superar a Malbec. Trata-se da Cabernet Franc, a nova grande casta da moda hoje na Argentina.
♦ MERLOT - Recentemente valorizada na Argentina, a Merlot é uva que começa a ter seu potencial explorado pelos produtores do país. Com preferência aos locais altos e frescos, ganha notoriedade no Vale do Uco ou na Patagônia. A área de vinhedos atinge 5.062 ha, sendo correspondente a 4,36% do total de tintas
A rainha de Pomerol e de Saint-Émilion encontra na Argentina um solo estranho, mas afável. Longe das argilas de Bordeaux, a Merlot está plantada em quase toda a Argentina, em lugares tão diferentes como extremos entre si.
Um terço da superfície está em zonas moderadas a frias de Mendoza, enquanto outro terço se localiza em zonas quentes da mesma província.
A parte restante se divide entre todos os terroirs da Argentina, com particular interesse na Patagônia, onde os solos argilosos dos vales dos rios Neuquén e Negro fornecem condições ótimas para os seus 411 hectares plantados na região, com vinhas de mais de 20 anos.
Os vinhos de Merlot são delicados, mas de paladar intenso – e, diga-se de passagem, bastante diferente dos brasileiros. Pimentão doce, cedro, groselha e especiarias estão entre as notas esperadas.
♦ TEMPRANILLO - Foi uma das primeiras cepas a chegar à Argentina, com os colonizadores espanhóis. Seus vinhedos chegam a 5.430 hectares, ou o equivalente a 4,66% do total de tintas.
Ao contrário do que acontece com outras variedades, 95,3% estão localizados em Mendoza, onde 2/3 correspondem a zonas quentes em que a variedade se adapta bem.
A exceção é o um terço restante, que se concentra no Valle de Uco, em especial em San Carlos (660 ha). Aí ganham a tanicidade e a estrutura dos vinhos de longa vida, aos quais a maturação em barricas produz um efeito acetinado.
Da área cultivada 2 mil hectares possuem vinhas de mais de 40 anos, enquanto outras 2,6 mil têm entre 10 e 40 anos, o que permite trabalhar com vinhas velhas em quase todos os casos. No entanto, não é uma variedade muito fácil de encontrar nas gôndolas.
Quando jovens e frescos, seus vinhos transbordam frutas silvestres, principalmente framboesas e amoras. Muitas vezes, é vinificada no estilo espanhol, gerando vinhos com passagem em barrica, quando ganha, além de mais estrutura, notas de alcaçuz e tostados.
♦ PINOT NOIR – Sendo uma uva delicada, precisa de um clima frio para amadurecer na medida exata, e foi em Mendoza e Neuquén, na Patagônia, que encontrou isso, criando tintos mais sensuais e pelos espumantes vinificados em branco. A Pinot Noir vem crescendo em importância e representando o que tem de melhor, e seus vinhedos atingem 1,993 há ou 1,71% do total de tintas
Emblema da Borgonha no mundo do vinho, a Pinot Noir está cultivada em regiões frias devido ao seu curto período de maduração, somado ao fato de que é nestes climas onde conserva a frescura que a torna vibrante. No país não é exceção. Mendoza cobre 73,6% da superfície, com Valle de Uco contabilizando 1060 hectares, ou seja, apenas acima da metade da Argentina. Em Tupungato, o departamento mais elevado e frio do Valle do Uco, cobre 1/3 da superfície total do país, enquanto toda a Patagônia alcança quase 1/5 (358 ha).
A Pinot gera vinhos leves, frescos e frutados, com acidez mais alta que outros tintos argentinos e mais baixa que outros Pinots. Independente dos aromas, que são frutados e terrosos na maior parte dos vinhos, pode ter coloração que varia do rubi ao vermelho intenso.
♦ TORRONTÉS - A Torrontés é a uva branca mais cultivada da Argentina, ocupando uma área de 8 mil hectares, o que equivale a cerca de 3.6% de todos os vinhedos do país. Originária da região vitivinícola da Galícia, na Espanha, a Torrontés começou a ganhar popularidade na Argentina durante a segunda metade do século XX.
Ao norte da Argentina, em Salta e também em Mendoza, a uva Torrontés surgiu como uma grande novidade argentina para os vinhos brancos. É uma casca muito aromática que deixa o vinho floral elegante e refrescante.
A Torrontés é, de longe, a variedade branca mais importante da região, e também uma das mais cultivadas da Argentina. Hoje, os melhores Torrontés da Argentina concentram-se na região de Salta, no extremo norte do país. Os vinhedos de Salta estão localizados entre 1.500 e 3.000 metros acima do nível do mar, oferecendo as condições ideais para o desenvolvimento da Torrontés.
Os Torrontés Argentinos destacam-se por sua leveza, frescor e grande intensidade aromática, revelando aromas florais, como de jasmim, rosa e flor de laranjeira, notas de frutas cítricas, nuances herbais e de especiarias, além de toques de mel. Seus vinhos têm corpo médio, alta graduação alcoólica e acidez média. A diferença de Cafayate para as demais regiões é que, lá, sob os efeitos da maior altitude do país, a uva ganha frescor como em nenhuma outra.
Ao todo, existem três clones mais populares de Torrontés na Argentina, o Riojano, o Mendocino e o Sanjuanino. Enquanto o primeiro destina-se a produção dos rótulos mais elaborados, os demais resultam em vinhos para serem consumidos enquanto ainda forem jovens.
♦ CHARDONNAY - É a segunda uva branca da Argentina, mas provavelmente é a mais conhecida também. Popular no mundo inteiro, a Chardonnay encontrou em solo argentino um local para amadurecer bem e resultar em diversos estilos de vinhos. Além de destinarem-se à produção de espumantes mais tradicionais, ao lado da Pinot Noir, são também matéria-prima dos vinhos mais frescos e elegantes aos mais encorpados.
Versátil, a uva sofre muito com a mudança de terroir. Regiões mais frias produzem Chardonnays com notas minerais e vegetais, ao passo que as mais quentes, notas tropicais. O mais comum é que apresentem aromas de maçã verde, limão e toranja.
Chardonnay é a uva-branca mais amada pelos argentinos. Por isso foi sempre a mais importante e hoje a segunda branca em superfície. Graças aos vinhedos de altura, os vinhos argentinos de Chardonnay conquistaram um estilo muito refinado que os coloca no mesmo nível dos melhores do mundo.
Como era de se esperar, Mendoza concentra a maior superfície de Chardonnay da Argentina. Historicamente cultivada em Luján de Cuyo e Maipú, zonas entre os 700 e 1000 metros de altitude com um clima caloroso, seco e ensolarado, desde o princípio dos anos 2000 muitos produtores optaram por migrar seus vinhedos de Chardonnay para zonas de maior altura.
Tudo isso em busca de climas frios, já que por cada 100 metros de ascensão na montanha, a temperatura diminui cerca de 1°C. E se bem vários hectares de Chardonnay sobrevivem nas regiões históricas e dão origem a uma versão mais californiana do varietal, são os vinhedos localizados acima dos 1000 metros os que hoje mais cativam os enólogos. Inclusive, a partir destas mudanças a superfície do varietal aumentou em 40%, crescimento impulsionado pelo entusiasmo de alcançar melhores resultados.
Conhecidos como vinhedos de montanha, nos referimos aos do Valle de Uco, se bem que Tupungato seja a área de maior superfície (com Gualtallary como uma espécie de meca para o Chardonnay argentino), San Pablo, em Tunuyán, é outra origem a considerar. Nestas zonas é preciso destacar que a conjunção entre solos aluviais de perfil pedregoso com material calcário e um clima fresco com matizes de acordo à direção e disposição das plantas, permite obter vinhos de expressão mais de Borgonha, com bom caráter frutado e cítrico, tons minerais e uma frescura tensa e afiada.
Além de Mendoza, todas as regiões vitivinícolas argentinas cultivam e produzem Chardonnay da Argentina. Um dos tantos fatos curiosos é que os Valles Calchaquíes, onde os vinhedos estão plantados entre os 1700 e os 3000 metros de altura, dando origem a rótulos muito tradicionais e celebrados, mesmo que o céu ensolarado e o clima árido do norte do país pouco se assemelhem ao clima da Borgonha.
No entanto, renovadas expectativas por trás do Chardonnay da Argentina geram os vinhedos da província de Chubut, um dos pontos mais inovadores do mapa do vinho argentino. Lá, os vinhedos mais austrais do mundo abrigam cepas de Chardonnay que resistem ao frio da Patagônia para dar vida a vinhos que em degustações às cegas surpreendem até os mais experientes degustadores. Esta província, como se fosse pouco, oferece duas versões: as que chegam dos vinhedos próximos à Cordilheira, como, por exemplo, Trevelin, onde o clima é frio e úmido em um ‘habitat’ quase arborizado, enquanto as de Capitán Sarmiento provém de um terroir de estepe, seco e ventoso. Em ambas as regiões, o estilo se relaciona mais ao Velho Mundo, com expressão cítrica, de frutos brancos e flores frescas, com acidez super marcada e um conteúdo alcoólico baixo para os padrões da Argentina.
♦ CHENIN BLANC - A Chenin Blanc é uma uva de boa adaptação à Argentina (apesar disso, é mais comum encontrá-la em cortes). Contribui com seu perfume de pêssego, além de frescor e acidez, a muitos vinhos brancos econômicos do país.
♦ SAUVIGNON BLANC - Diferentemente da Chenin, a Sauvignon Blanc foi plantada recentemente na Argentina e hoje vê a expansão de seu cultivo. Apesar de produzir vinhos com elevado frescor, eles não são o que se pode chamar de leves.
Costumam ter bom corpo e notável acidez. Não raras vezes, apresenta notas de defumado e sabor ligeiramente picante, apesar disso, são mais esperados aromas herbáceos, de mel e frutas tropicais.
♦ VIOGNIER - Extremamente aromática e elegante, a Viognier é recente na Argentina. Entretanto, já tem feito muitos produtores abrirem os olhos (justamente para ela!). Podem ser encontrados vinhos frescos, para consumo imediato, com notas florais, de frutas tropicais e caramelo; além dos envelhecidos em carvalho, que ganham toques amendoados muito característicos.
Nos próximos artigos falaremos mais sobre as regiões de produção. Não perca a chance de provar uma taça de vinho argentino!!! Saúde!!! Aproveite para comentar se gostou ou não!!! (Este artigo está baseado em material disponível na internet, e minhas considerações durante a prova dos vinhos e pesquisas).