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Foto do escritorMarcio Oliveira - Vinoticias

“AS MULTIPLAS INFLUÊNCIA DE UM MESMO TERROIR – CLOS DE VOUGEOT”

Quando você toma a bela estrada vicinal que leva de Dijon a Beaune (Côte-d´Or), surge um vinhedo à direita, que desce suavemente uma colina em direção à estrada. Você não o pode perder de vista, porque a vinha se estende por mais de um quilômetro e existem tantas videiras nessa paisagem montanhosa, das quais, quando o tempo muda, é possível distinguir o Mont Blanc à distância. Este é um dos locais de maior prestígio no mundo, o terroir de Clos de Vougeot, um grand cru plantado na vila de Vougeot, que leva o nome do Vouge, o rio que o atravessa.

O muro “Clos” de Vougeot, ou apenas Clos Vougeot, começou a ser delimitado por volta de 1110, mas suas fronteiras só foram fincadas em 1336, e o muro foi completado posteriormente. A paisagem da vinha é cercada por um muro com 3,2 km de extensão, na prestigiada denominação da Borgonha. O Clos de Vougeot é um dos maiores vinhedos Grand Cru da Borgonha, juntamente com Corton e Echézeaux, com cerca de 50 hectares. Com tamanha área, uma de suas particularidades é possuir uma quantidade enorme de proprietários. A maioria deles possui cerca de apenas 0,2 hectare de parcela de terra. Ao todo, o vinhedo produz cerca de 17 mil caixas de vinho e, por ser tão vasto (para os padrões borgonheses) e ter tantos produtores, os vinhos também costumam ter perfis muito variados.


O que notamos primeiro é o muro de pedras escuras e lisas, com cerca de um metro de altura, que limita completamente o perímetro do grand cru. O muro de pedra (clos em francês) é uma das marcas registradas deste famoso vinhedo da Borgonha; marca sua forte fragmentação, ao contrário das vastas extensões de videiras livres no Languedoc ou Bordeaux. Orientado a leste, em direção ao sol nascente, o Clos de Vougeot parece modesto com seus 50,97 hectares, mas é o maior vinhedo fechado da região e seu muro é o mais longo (3,2 km).


Seu muro passa a impressão de que o “cru” é uma unidade unida, única e coesa - um solo, uma propriedade, um vinho. Mas este olhar é puro engano! A única casta plantada é a Pinot Noir, mas ela está presente num mosaico complexo, que lembra um tabuleiro de xadrez, com vários mini-vinhedos (parcelas) dentro do muro pertencentes a vários proprietários.


Para entender a “criação deste mosaico”, tem-se que lembrar da história da vitivinicultura da região da Borgonha e a sucessão de proprietários. Os beneditinos, que demarcaram o local no século XII, foram os primeiros proprietários do vinhedo. A Revolução Francesa, que incorporou os bens da Igreja, acabou criando o mosaico, que hoje tem nada menos que 82 proprietários dividindo o vinhedo plantado no Clos. Destes proprietários, 67 produzem vinho com seu próprio nome (os outros confiam suas uvas a outros produtores).


Não existe dentro do Clos nenhuma barreira, nenhum caminho, nenhum sinal identificando os lotes individuais destes proprietários. François Labbé, presidente da organização para a defesa e gestão de Clos-de-Vougeot e o maior proprietário de parcela de vinhedo, com 5,48 há diz que todos “estão entre vizinhos”. Alguns proprietários possuem apenas alguns acres. Como encontrar? Todos, na realidade, sabem o número de linhas que possuem. Quando alguém avança sobre a parcela do outro, ultrapassando as suas próprias fileiras, rapidamente corrigem este tipo de problema entre eles.


Com o valor que um hectare alcança na região da Borgonha (cerca de 6,5 milhões de euros), é difícil para o neófito entender esta questão de respeito pela vizinhança, pois a plantação é excepcional - até 14.000 videiras por hectare, uma das mais densas da França. As transações de terras são raras, o mapa que identifica cada parcela dentro do Clos de Vougeot está congelado. A última transação foi a do Château de Santenay, que comprou 62 ares em 2019, somando aos 20 que já possuía.


Em um vinhedo onde não há delimitações físicas internas, uma organização comunitária sofisticada ajuda a evitar conflitos. Os 82 proprietários contribuem anualmente para a manutenção do muro na proporção do número de “aberturas” [unidade de medida correspondente a 4,28 ares] que eles possuem no vinhedo.


François Labbé, o único viticultor que vive na área, num dos dois castelos situados dentro do muro, no Château de la Tour. O outro castelo corresponde à antiga vinícola cisterciense do século XV, pertencente à irmandade dos cavaleiros de Tastevin.


Entender o mosaico das parcelas é complexo. A paisagem não é fácil de ler, parece que é plana, mas é um engano. O vinhedo está situado a 250 metros acima do nível do mar, mas entre o ponto mais alto e o ponto mais baixo, há um desnível de 240 metros. O solo também parece uniforme, mas é outro engano.


Há alguns anos, o Grupo de Estudos e Vigilância de Terroirs (GEST) construiu vários poços no Clos-de-Vougeot, o que confirmou fortes variações nas camadas do solo. No topo, as parcelas dos domínios Mongeard-Mugneret ou Méo-Camuzet têm apenas 40 centímetros de terra, e abaixo, uma camada de rocha muito alta e fissurada em vários cascalhos. Tem-se a impressão de que existe terra, mas não existe, o solo está muito próximo da rocha. Por outro lado, no meio da colina que vai descendo e na parcela mais baixa do vinhedo, o barro está em abundância. Há tantas diferenças de solos entre as parcelas, que alguns produtores cavaram poços para entender e visualizar seus terroir, como a produtora Anne Gros, proprietária de 94 acres que, quando ela cavou, teve solo até a cintura!


Em outros lugares da Borgonha, essa diferença nos solos pode levar a duas denominações e dois vinhos diferentes. No entanto, Clos-de-Vougeot constitui uma denominação única, um “climat” único, a palavra para terroir como dizem na Borgonha. A palavra não tem nada a ver com o clima e tudo com a entidade histórica e geológica do lugar. A noção é importante, porque os climats da Borgonha são classificados como Patrimônio Imaterial pela Unesco desde 2015.


Mas o nome Clos-de-Vougeot é tão mágico que este vinho tinto da Côte-de-Nuits é frequentemente descrito como único, independentemente dos produtores e fileiras cultivados. No best-seller “Les Vins de Bourgogne” de Laurent Gotti e Sylvain Pitiot descrevem “vinhos amplos e carnudos com um intenso perfil aromático. Misturam aromas concentrados de frutas vermelhas e pretas (cereja, amora, groselha), vegetação rasteira e especiarias. Entre taninos finos, suavidade e acidez discreta. Eles têm uma longa persistência ”.


Outros escritores, entretanto, lamentam que os vinhos da parte superior ou inferior do Clos coexistam sob a mesma denominação. Jean-François Bazin escreveu, em seu “Dictionnaire Universel du Vin de Bourgogne”, que Clos-de-Vougeot "é o completo oposto de um climat". Além disso, os viticultores não criam vinhos da mesma maneira: Anne Gros, que tem a parcela de vinhedo no meio da encosta, cria um vinho "não rústico, mas mágico, uma textura que não é de seda, mas de veludo", enquanto que Jean-Nicolas Méo produz, no topo da vinha, um vinho de austeridade e elegância mais cisterciense.


Especialista em climats da Borgonha, Jacky Rigaux encerra o debate: "Os vinhos do topo são mais finos que os da parte mais baixa", acrescentando que esse diagnóstico se unem a uma lenda ancestral: "Os vinhos do topo dos clos foram destinados ao Papa, aqueles da parcela central aos bispos e aqueles abaixo, na parte mais baixa, aos monges.


Essa observação também corresponde à famosa linha de falha geológica que vai de Lyon a Dijon, atravessando o Clos-de-Vougeot e, portanto, gera videiras de qualidade diferente, dependendo se estão de um lado ou de outro. Finalmente, ele se une à convicção do viticultor Jean-Nicolas Méo, que se pergunta se o castelo do século XV foi construído no topo da vinha apenas porque a rocha sólida poderia sustentá-lo ou, também, estar mais próximo do melhor vinho.


No entanto, com preços a partir de 100 euros, e mais frequentemente próximos de 300 euros, é melhor não pegar a garrafa errada. Mas seja como for, uma taça de Clos-de-Vougeot é acima de tudo um cartão postal que mostra a riqueza de sua paisagem com esta infinidade de solos e particularidades das parcelas que fazem dos vinhos de Vougeot um verdadeiro ícone da Borgonha. Provar vinhos de diferentes produtores, todos eles feitos a partir da Pinot Noir dá a perfeita ideia das múltiplas influências num mesmo terroir !!! Saúde !!!

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