Duas, entre algumas das Confrarias que oriento, fizeram um aprofundamento recente em vinhos de Bordeaux. Tivemos oportunidade de degustar grandes vinhos e entre eles, os rótulos que chamei de “Quarteto Fantástico”.
O Haut-Médoc é a região das grandes estrelas de Bordeaux. Lá estão as importantes sub-regiões de Saint-Éstèphe, Pauillac, Saint-Julien e Margaux, prestigiadas por terem o que muitos consideram o melhor terroir de Bordeaux. Não à toa, estão em peso na lista dos primeiros classificados de 1885.
Além dos 60 Crus Classés e quatro dos cinco Premiers Crus Classés, em Haut-Médoc há mais de 150 Crus Bourgeois de diversos níveis, alguns dos quais comparáveis a Crus Classés de alta patente a um preço mais acessível. Quanto mais a sudeste e, portanto, mais interior a região, menos úmido é o clima e é maior a concentração de graves (cascalhos) na composição do solo. A camada de cascalho, além de drenar bem o solo, conserva o calor do sol por mais tempo, aquecendo as raízes e incentivando-as a ir mais fundo em busca de água.
O “Quarteto Fantástico” tem dois rótulos de Saint-Estephe e dois de Saint-Julien. Saint-Estèphe - A primeira comuna de fora para dentro na região do Haut-Médoc guarda alguma semelhança com o vizinho e menos reputado Bas-Médoc. O solo ainda possui argila misturada aos graves, e o resultado são vinhos mais ácidos e robustos do que elegantes, que nas safras mais secas costumam resistir melhor que os das demais áreas do Médoc. Os vinhos de Saint-Éstephe podem levar até 20 anos em boas safras para amadurecerem.
Em Saint-Éstèphe, a base do solo sob os graves é argilosa. Isso faz com que o amadurecimento das uvas seja mais lento e a fruta tenha maior grau de acidez. Os vinhos da AOC são bastante tintos e robustos, um pouco austeros na juventude, mas com grande potencial de envelhecimento.
Os melhores vinhos e os Grand Crus Classés se concentram na região ao sul, fronteiriça à Pauillac. Os principais nomes incluem Cos d´Estournel, com uma proporção de Merlot pouco usual na região, que torna o vinho bastante suculento; e Château Montrose, à beira do Gironde, com estilo mais próximo ao dos vinhos de Pauillac. O Château Calon-Ségur, o Cru Classé mais setentrional, nos arredores da vila de Saint-Estèphe, tem um estilo que fica entre os dois citados, podendo ser ótimo nas melhores safras.
A região produz também ótimos Crus Bourgeois, em especial a sul e sudoeste da vila de Saint-Estèphe. Os Châteaux Haut-Marbuzet, Meyney, de Pez, Phélan Ségur, Les Ormes de Pez, Beau-Site e Lilian Ladouys são os principais nomes desta área. Saint-Julien - Os tintos de Saint-Julien situam-se entre a concentração de Pauillac e a elegância de Margaux, sendo vinhos precisos e refinados, fáceis de gostar e beber. Embora não possua nenhum Premier Cru, a minúscula comuna concentra uma grande quantidade de grandes vinhos. A produção é bastante consistente, seus vinhos são finos, longevos, de cor intensa e muito persistentes. É o Bordeaux perfeito para os amantes da região que procuram vinhos a preços um pouco mais acessíveis.
Os Crus Classés que merecem destaque são Château Beychevelle, Château Branaire-Ducru, Château Ducru-Beaucaillou, Château Gruaud-Larose, Château Lagrange, Château Langoa-Barton, Château Léoville-Barton, Château Léoville-Las-Cases, Château Léoville-Poyferré, Château Talbot. Outros Châteaux importantes são: Château Gloria e Château Lalande-Borie.
DEGUSTAÇÃO DO QUARTETO FANTÁSTICO:
CHATEAU GLORIA 2012 – SAINT JULIEN: Excelente Cru Bourgeois com uma superficie de 44 ha, localizado na divisa de Pauillac. O vinhedo é dividido em 3 zonas de Beychevellle, com vinhas de 45 anos de idade em média (possuem vinhas de 30 a 80 anos). Chateau Gloria, foi um dos primeiros a apostar na Petit Verdot devido ao seu tardio amadurecimento traz à mistura um suplemento de cor, aromas, álcool e taninos.
O Château Gloria produz vinhos que são iguais em qualidade aos mais prestigiados rótulos de Saint Julien. Henri Martin, assumiu a propriedade em 1942 e começou a comprar parcelas de vinhas de propriedades vizinhas classificadas em 1855, como Gruaud-Larose, Talbot, Lagrange e Léoville-Barton. Em meados da década de 1960, ele tinha 50 hectares de vinhedos espalhados pela denominação. Em 1982, comprou o Château St-Pierre e, assim, passou a ter uma propriedade Grand Cru Classé.
Henri Martin morreu em 1991 e o Chateau Gloria agora é administrado por seu genro Jean-Louis Triaud. O vinho é uma mistura de 65% de Cabernet Sauvignon, 25% de Merlot, 5% de Cabernet Franc e 5% de Petit Verdot. É envelhecido em uma combinação de grandes tonéis de carvalho e barricas (50% novas).
Cor rubi vivo, intenso, profundo. Aromas bem definidos de especiarias, chocolate, cedro sobre um fundo balsâmico. No paladar taninos firmes, opulentos sem perder de vista a inconfundível elegância dos tintos de Saint-Julien. Tudo está em sintonia: álcool, madeira, fruta e acidez. O resultado é um vinho bem proporcionado, grande, denso, que se beneficiou do tempo na garrafa. Exibiu alguma tanicidade final, sinal de que ainda pode agüentar mais alguns anos em guarda. Normalmente, precisa de 7 a 10 anos de idade para mostrar o seu melhor.
LE PETIT CAILLOU 2010 – SAINT JULIEN: Um dos principais produtores de Bordeaux com vinhos notáveis, por sua concentração, riqueza e profundidade, o Château Ducru-Beaucaillou foi construído em 1720 e começou a adquirir sua excelente reputação, tanto nacional como internacionalmente, sob a posse da família Bergeron. O nome Ducru foi acrescentado em 1795, quando Bertrand Ducru comprou a propriedade. Bertrand investiu no château, vinhedos e instalações da adega e ganhou status na classificação de 1855.
Atualmente a propriedade é gerida pela família Borie, com 245 hectares no total, com 100 hectares plantadas com vinha. Os solos são de cascalho, com uma mistura de grandes pedras e seixos que fornecem boa drenagem, bem como armazenam e refletem de volta o calor armazenado durante o dia, além de proteger o solo da evaporação excessiva de água durante os verões particularmente quentes e secos.
O Petit Caillou é o 3ème vin do Chateau Ducru Beaucaillou. De cor rubi escuro, límpido. Aromas de fruta seca, couro, terra molhada. Fruta madura com nota de tosta, mostrando boa evolução nos aromas. Na boca mostrou taninos macios, boa acidez e bom equilíbrio e estrutura. Um vinho para grandes apreciadores de Bordeaux.
LA DAME DE MONTROSE 2002 – SAINT ESTEPHE: O segundo vinho do Château Montrose é elaborado com uvas do mesmo vinhedo de seu irmão mais velho. Um belo vinho, sedutor e agradável e que mostrou elegantíssimo acabamento. O Château Montrose, estrela da AOC Saint-Estèphe, na região do Médoc (margem esquerda do Gironde) é famoso por seus vinhos longevos e tânicos. Classificado como “Deuxième Cru” na Classificação Oficial dos Vinhos de Bordeaux, de 1855, o Château Montrose produz vinhos que necessitam de longo tempo de envelhecimento para atingirem seu potencial.
Reza a lenda local que o nome vem da primavera na região, quando as flores rosas dominavam a paisagem das montanhas francesas. O La Dame tem seu nome em referência à Yvonne Charmolue, que dirigiu sozinha o Château Montrose de 1944 a 1960 e reergueu a propriedade depois da Segunda Guerra Mundial. Em seu blend normalmente predomina a Merlot, o que confere maior maciez em relação ao “Grand Vin”, e o tempo de envelhecimento é de 12 meses em barricas francesas (30% novas).
Atualmente, o Château é conhecido pelo encorpado e poderoso vinho, típico de Bordeaux. Embora a propriedade tenha ficado famosa inicialmente como um território de caça, isso mudou quando Alexandre de Segur, proprietário de inúmeras vinícolas renomadas, doou a propriedade ao seu filho, Nicolas Alexandre. O negócio entretanto, não estava no sangue e, logo depois, no mesmo ano - 1778, ele vendeu a propriedade para Etienne Dumoulin, o grande responsável por conceituar a marca no mercado. As terras passaram pelas mãos de diversas famílias, sempre produzindo um dos melhores vinhos da região de Saint Estephe por séculos, até 2006, quando os irmãos Bouyeges assumiram a liderança da empresa, como um acréscimo ao seu já extenso portfólio de rótulos.
Em termos visuais, o vinho tinho um ligeiro halo de cor granda / ferrugem. Mostrava-se rico em aromas de couro, defumados e especiarias bem como frutas secas, algo de mentol e caixa de charuto. No paladar mostrou taninos macios, afinados pelos 15 anos de guarda, com notas de frutas secas, especiarias, toques tostados e chocolate. Longo e prazeroso final de boca.
LES PAGODES DE COS 2010 – SAINT ESTEPHE: O segundo vinho do château Cos d’Estournel, Les Pagodes de Cos é amplo, redondo, com notas de frutas vermelhas, corpo médio, textura suave e muito bem equilibrado. Carnudo e intenso, tem final longo e persistente.
É produzido com o mesmo cuidado e essencialmente com os mesmos meios que o primeiro vinho, a partir de vinhas mais jovens, geralmente com menos de 20 anos, videiras que alguns anos depois produzirão o grande vinho. A colheita é manual e após uma seleção exigente, o processo de vinificação é realizado na nova adega gravitacional com 72 cubas termorreguladas de aço inoxidável de 19 a 155 hl. Todas as operações são realizadas sem qualquer bombeamento. O envelhecimento de 12 meses é realizado em barricas de carvalho (40 a 50% de novo). Na mistura geralmente predomina a Merlot (50 a 60% dependendo da safra) com um complemento de Cabernet Sauvignon e pequenas quantidades de Cabernet Franc, mas nesta safra, que recebeu 93 pontos de Robert Parker, o Cabernet Sauvignon entrou com 92% do blend, complementado com 38% de Merlot.
O vinho elegante, encantador, poderoso e muito aromático tem um bom comprimento em boca. Pode ser bebido jovem, após 4 ou 5 anos nos grandes anos, e mantém uma boa guarda por dez anos após o engarrafamento. A produção anual varia entre 80.000 e 170.000 garrafas dependendo da safra, para uma produção total (primeiro e segundo vinho) de cerca de 350.000 garrafas.
Nascido em 1762, durante o reinado de Luís XV, e falecido em 1853, sob Napoleão III, com a notável idade de 91 anos, Louis Gaspard d’ Estournel, conhecido como “O Marajá de Saint-Estèphe”, teve uma única paixão: Cos. Tendo herdado algumas vinhas em 1811, reconheceu a qualidade do seu vinho e decidiu vinificá-lo separadamente, e logo passou a ser muito prestigiado, exportando vinhos para a Índia. Em homenagem ao oriente, a propriedade foi reformada com a arquitetura inspirada em templos budistas.
O Château Cos d’Estournel pertence a Michel Reybier desde 2000. O objetivo tem sido a manutenção dos seus altos padrões, além da busca constante pela excelência e sustentabilidade, mantendo o estilo avant-garde iniciado por Louis Gaspard d’Estournel.
O Les Pagodes de Cos 2010 é considerado o melhor segundo vinho já feito em Cos, e exibe taninos macios, frutas escuras maduras, notas de flores, alcaçuz e tostados sutis. Um vinho encorpado, opulento e que muitos consideram ser melhor do que os de muitas safras do Cos d-Estournel (o primeiro vinho) das décadas de 1960 e 1970