Terminando essa série de relatos das visitas às Bodegas de la Mancha, chegamos agora à Bodega Dionísios, ou como veremos, uma Bodega de las Estrellas. Ela não é uma vinícola “comum”, nem seus vinhos são “normais”, não apenas por praticarem produção biológica, mas como veremos, por respeitarem alguns conceitos diferenciados no mundo do vinho.
LA BODEGA DE LAS ESTRELLAS – DIONISOS – Por conta da forma de elaborar seus vinhos, o seu proprietário, Dionisio de Nova é considerado “o Don Quixote dos vinhos de La Mancha, elaborando vinhos diferentes e com muita personalidade no meio dos gigantes”. A produção da Bodega se baseia em três conceitos:
POR QUE FAZER VINHOS VINIFICADOS EM TINAJAS (ÂNFORAS)?
O objeto mais antigo desta Bodega é o que chamamos de “tinajas” ou ânforas. Consiste em 19 ânforas de argila cozida com uma capacidade aproximada de 5.000 lt cada uma delas. Estas peças de cerâmica foram feitas em Villarrobledo (Albacete) a uma distância de 124 km de Valdepeñas pelo artesão “tinajero” Juan de la Guia cujos descendentes vivem em Villarrobledo.
Esses jarros que foram instalados no séc. XIX acompanharam a família nas centenas de elaboração de vinhos que foram ali feitos. Importante citar e prestar uma homenagem ao excelente trabalho desta oficina de cerâmica e seus resultados: todas as ânforas fazem e contêm um magnífico vinho e nenhum deles mostra sinais de degradação ou qualidades negativas. No curso da visita a vinícola, onde são explicados os sabores naturais e da vinificação e aromas que adquire o vinho em fermentação, faz-se uma comparação com o efeito de cozinhar alimentos com aromatizantes e os gostos dos alimentos mudam dependendo do material em que eles são cozidos. Assim relaciona a vinificação em tanques com uma refeição cozida em panela de barro “Será o barro susceptível de conferir ao ensopado ou sopa uma complexidade de nuances de aromas e sabores?”. A Bodega se sente orgulhosa de dizer que este é o mesmo efeito especial que permeia seus vinhos brancos e tintos ao desenvolver e amadurecer nestas ânforas, como dizem aos visitantes: fazem “ensopado de vinho”.
Princípios da Vinificação em Ânforas: As características da argila, cujos efeitos mais notáveis nos vinhos, podem ser ligados a:
- Efeito da capilaridade e da micro-oxigenação constante, que em vinhos tintos eliminam as notas de vegetais e a tanicidade, levando ao resultado de amadurecer os sabores dos frutos, sem reduzir os efeitos de sua degustação prazerosa.
- Material inerte eletrostático capaz de realizar uma fermentação respeitosa das condições naturais das uvas varietais, aumentando o resultado final num vinho com uma complexidade extraordinária.
- Material de grande capacidade termostável que facilita um processo de fermentação calma, enquanto a forma ovoide das ânforas propicia os processos de troca e homogeneização pela dinâmica dos fluidos.
A maturação em Ânforas: Essas mesmas qualidades ou características de micro-oxigenação, inércia e termo-estabilidade, funcionam nos processos que seguem a fermentação, pois são decantações e maturação dos vinhos. As tinajas facilitam a sedimentação de partículas em suspensão por sua inércia eletrostática. A forma e o material permitem uma “aderência” lateral que melhora a decantação e facilita inversamente o processo de remoção das lias (borras) mais finas, com uma vantagem adicional que é por efeito da micro-oxigenação, o caráter de redução do mesmo. Finalmente, a ação das manoproteínas é potencializada, obtendo-se uma melhoria da estabilidade tartárica e da matéria corante. A maturação em ânforas melhora a percepção organoléptica, melhorando a sensação de corpo e volume. Vinhos de “miajon” em uma expressão popular entre os antigos produtores de vinhos espanhóis, ao fazer referência a umas “migas de pão” pela sua consistência. A maturação na ânfora reduz a parte adstringente e a amargura dos taninos, estabilizando a fração aromática e melhorando significativamente a percepção do sabor residual.
Envelhecimento em Ânforas: O efeito “envelhecimento” em ânforas é feito nas tinajas instaladas na cave subterrânea. Sete ânforas menores de cerca de 3.000 l cada, estão instaladas na cave, com 9 mt de profundidade e com uma temperatura estável entre 10 e 15°C durante todo o ano. O envelhecimento em tinaja tem qualidades diferentes da feita em carvalho, sendo o mais importante a manutenção e o respeito das qualidades varietais que não são modificadas pela “invasão” de aromas e sabores “estrangeiros” ao vinho, já que o material inerte não transfere qualquer componente de aroma ou sabor, como é o caso da madeira. A fase de oxidação e destruição das antocianinas é muito mais lenta e reduzida, sendo difícil desenvolver flavonóides. O vinho, portanto, não perde seus aromas primários, mas aprofunda suas qualidades de maturidade. A frutuosidade toma qualidades de compota de frutas, uma vez que seus precursores formaram outros compostos próprios e específicos. Se a maturação em tinaja abre um esplêndido debate e resultados magníficos para os vinhos tintos, no caso dos vinhos brancos, o resultado é muito mais espetacular, dando origem a novas tipologias e certamente uma visão inovadora das variedades tradicionais. Finalmente, uma reflexão como produtor de vinho independente: Nunca devemos seguir a maturação do vinho em ânforas pelas horas do relógio, como no caso do envelhecimento em barril, criando um padrão que tipifica esses vinhos. Seja o mesmo vinho, as características do cuvée, da safra e até mesmo os objetivos como produtor artesanal, os vinhos de ânfora oferecem mais diversidade.
POR QUE PRODUZIR VINHOS ECOLÓGICOS?
Motivações: Em Valdepeñas, onde a cultura e a arte dos negócios do produtor de uva e do vinicultor estão fundidas, encontra-se hoje a quarta geração administrando esta vinícola “Dionisos”. A agricultura biológica ou ecológica tem sido desde o início o compromisso dos seus gestores com a Terra e a qualidade de seus frutos. O respeito pela condução de maneira tradicional da vinha é a maneira de escapar de produtividades elevadas. Além de ser uma herança, da qual são agora os cuidadores, há que se lembrar de devem deixar algo para as gerações futuras. Daí entenderem da mesma forma, que a vinificação deve ter algo sem agregação de elementos químicos externos, nem tudo é intervenção, adição ou modificação. E, ao mesmo tempo, respeitando a origem e a tradição, se orientam para fórmulas que estão cada vez mais artesanais diante da tecnificação dos processos. A instalação tradicional assume uma relevância essencial no projeto: trabalhar com as ânforas e armazenar o vinho na cave subterrânea não é apenas um ato romântico, é uma identidade, criando um relacionamento diferente com o cliente, que se torna um amigo e participante nas preocupações e conquistas da Bodega que faz vinhos para desfrutar com todos.
O Terruño e o Vinhedo: A Bodega está à beira da grande planície de La Mancha, em uma área onde a paisagem gradualmente perde suas planícies ilimitadas (La Mancha), tornando-se um amplo vale flanqueado por terrenos mais altos, colinas de natureza quartzitica que se destacam das planícies sedimentares. Desta forma, limitados ao sul pela estrada National IV, a poucos km antes de chegar a Valdepeñas, encontra-se o vinhedo de “El Conuco”, com uma área de 39 hectares. Seus solos provêm de materiais mesozoicos e terciários de plataforma, de ondulações sedimentares suaves constituídas por margas calcárias, sob as quais aparece uma camada de calcário branco muito compacto em certas zonas. Esses solos de grande drenagem têm no verão uma grande reverberação para os afloramentos de pedra calcária que facilitam a maturidade e a precocidade perfeitas das uvas. Como todos os bons terrenos para vinhedos, o “El Conuco” é de um solo pobre, e neles sempre oferecem como um presente da natureza o verde das vinhas no meio da secura ambiental. As variedades antigas são, a branca Airén e a tinta Tempranillo, aqui chamado Cencibel, que é, sem dúvida, uma das melhores variedades espanholas e que nestas terras, se colheita na maturidade, criando vinhos aromáticos, complexos e adequados para o estilo Joven (sem passagem por barricas) ou os maturados em barril. Em 1995, foi plantada a Cabernet Sauvignon e, em 2000 a Syrah, cujos frutos dão um extraordinário enriquecimento das sensações mediterrâneas aos vinhos. Mais recentemente, foram plantadas a Garnacha e a Verdejo. O outro vinhedo é “El Corcobillo”, de com 4,5 ha, orientado para o norte em terreno com argila e pedras de seixos rolados, chamados “rubiales”, com uma forte cor vermelha criada pelos óxidos de ferro. São solos fortes, que mantêm os vinhedos Tempranillo mais antigos, com poucas produções, de um a dois quilogramas por videira. Estas espécies antigas de troncos trançados com um grande estoque de reservas e uvas de muito extrato são plantadas e conduzidas em uma estirpe baixa, “como plantadas em vaso”, a fim de respeitar a magnífica adaptação que obtiveram para este clima seco e gerações rigorosas de viticultores. As frutas são colhidas à mão, com seleção rigorosa da uva no próprio campo. Todas as videiras foram plantadas em vaso e, em grande parte, foram levantadas para espaldeira no ano de 2014 e 2015, para facilitar o trabalho e a colheita.
POR QUE PRODUZIR VINHOS DE LAS ESTRELLAS? Os ciclos da lua com suas fases e movimentos, bem como as posições dos planetas e as estrelas, formam como um todo um sistema cíclico no qual um ajuste perfeito é feito com os processos vitais nos vegetais (vinha) e atividade nas diferentes etapas da vinificação, mas isto ficará para um artigo específico.
DEGUSTAÇÃO DOS VINHOS FEITOS “Al Compás de la Luna”: 1. Branco. Airén/Viura. 2016. 12,5%. 50% AI, 50% VI 2. Tinto. Aire. 2016. 13,5%. 100% TE 3. Tinto. Agua. 2016. 13,5%. 100% Syrah do vinhedo “El Conuco”. A fermentação intracelular sem oxigênio é capaz das mais naturais das alquimias durante 17 dias. Após ligeiro filtrado é engarrafado no inicio do ano seguinte. Cor firme e profunda. O nariz mostra aromas de frutas frescas de framboesas e amora, maduras. O paladar é um vinho quente e sedoso e al mesmo tempo delicado refletindo de forma plena as características da casta Syrah. A orientação é servir mais fresco, entre 12 e 14ºC. É ideal para acompanhar queijos mofados e carnes brancas grelhadas. 4. Tinto. Fuego. 2015. 13,5%. 100% TE 5. Tinto. Tierra. 2010. 13,5%. 100% TE
Contatos com o Enólogo: Dionisio de Nova García
Região Vitícola: Vinos de la Tierra de Castilla (VT-IGP). Ciudad Real
Calle Unión 82. 13300 Valdepeñas. Ciudad Real. Tel.: (00xx34) 926 323 248 www.labodegadelasestrellas.com Observação: sem importador para o Brasil.