Que o vinho é um alimento da alma ninguém duvida, mas muitas vezes as pessoas perguntam se seu consumo também é um alimento para o corpo. Ou por outro lado, se seu consumo traz benefícios?
Em 1957 foi realizado o chamado estudo das sete nações, que relacionou hábitos alimentares com doenças cardiovasculares. Analisou-se representantes de Japão, Grécia, Estados Unidos, Finlândia, Holanda, Itália e Iugoslávia (atual Sérvia e Montenegro). Os pesquisadores perceberam que os povos do Mediterrâneo, que assumiam a chamada dieta mediterrânica, baseada principalmente em peixe, vinho e azeite de oliva, tinham menos tendência de evolução à doença coronariana e viviam mais tempo.
Em 1984, a Organização Mundial de Saúde iniciou o estudo Mônica, com o objetivo de monitorar determinantes para doenças cardiovasculares. Entre outras coisas, verificou que os franceses comiam mais gordura saturada que populações de outros países e ainda assim padeciam menos de doenças cardiovasculares. Isso foi confirmado na década de 1990 pelo epidemiologista francês Serge Renaud, que comparou as estatísticas da França com a dos Estados Unidos e divulgou ao mundo o famoso “Paradoxo francês”. Na investigação, concluiu-se que o maior diferencial na dieta francesa era o consumo de vinho. A partir daí as investigações foram aprofundadas.
- E o que se descobriu? Não se sabia exatamente qual a constituição do vinho e o que o tornava um protetor do coração. Seria o álcool? O alemão bebe muita cerveja, que também tem álcool, e não apresenta a mesma proteção. Viu-se que nas regiões vinícolas em que predominavam os vinhos brancos as estatísticas de saúde não se diferenciavam das normais. Já nas regiões onde havia maior consumo de tintos essa proteção era mais expressiva. Portanto, a chave estava nos tintos.
- Onde está o segredo dos tintos? Nos polifenóis. São estruturas sólidas, ainda que microscópicas, que dão a estrutura do vinho. Os polifenóis, mais do que na polpa da uva, são encontrados nos sólidos, como casca, sementes e engaços, os cabinhos que prendem os grãos. Os brancos não são fermentados com cascas, só os tintos. Quanto mais polifenol proveniente da uva o vinho tem, mais intensa será sua cor. Há vários polifenóis interessantes, como os taninos, flavonas, os ácidos fenólicos e especialmente o reverastrol.
- Como agem os polifenóis? Eles ajudam, por exemplo, a baixar o LDL, o chamado colesterol ruim, e a aumentar o HDL, o colesterol bom. O pior é o LDL oxidado, que penetra na base do vaso sanguíneo e forma as temidas placas gordurosas. O LDL oxidado fica circulando pelo organismo como uma pessoa desocupada, que passa o dia na rua sem ter o que fazer. A possibilidade de ela se marginalizar é muito grande. O LDL oxidado, que não tem função e já deveria ter sido eliminado do organismo, acaba se entranhando no vaso ou incorporando radicais livres. Por isso se diz que os componentes do vinho agem três vezes. Eles favorecem a produção maior de HDL pelo fígado, a redução da produção de LDL e impedem a oxidação daquele LDL circulante. Portanto, ele age na raiz do mal.
- Além do coração, o vinho faz bem para outros órgãos? Todas as nossas células são dependentes dos nutrientes levados pelo sangue e todos os nossos vasos sanguíneos precisam dar boa passagem a ele. Se todas as artérias são estruturalmente iguais, é certo afirmar então que a maioria de nossos órgãos é igualmente submetida à proteção do vinho. No caso do cérebro, descobriu-se que as pessoas que bebem moderadamente estão 30% menos sujeitas a acidente vascular cerebral isquêmico, o mais freqüente. A mesma coisa acontece com as doenças virais de pulmão e mesmo com a influenza. A gripe parece uma coisa inocente, mas deixa um solo fértil para o processo aterosclerótico se desenvolver. Outro estudo, realizado em 1997, indicou que o reverastrol é capaz de inibir a proliferação de tumores. Mais recentemente foram encontrados indícios de que a principal ação desse polifenol é a de desativar a proteína NF - Kappa B, que tem muita importância na iniciação do câncer.
- Pode-se dizer então que o vinho é remédio? No mínimo é perigoso dizer isso. Pode-se dizer que é benéfico à saúde, quando o consumo é moderado.
- O que é consumo moderado? Há dados estatísticos e estudos sérios sobre isso, do ponto de vista populacional. A faixa de segurança para o consumo diário de álcool fica em 15 gramas para a mulher, algo como 80 mililitros, e em 30 gramas para o homem. Com os vinhos de mesa normais, seria o equivalente a uma taça no almoço e outra no jantar, para a mulher, e o dobro disso para o homem, até meia garrafa.
- Por que a mulher tem capacidade de absorção menor de álcool que o homem? A mulher tem 10% a menos de universo hídrico que o homem, ou seja, menos água para diluir o álcool. Além disso, a mulher tem reduzida, em 50%, a desidrogênase alcoólica gástrica, que faz parte do processo inicial de digestão do álcool. A capacidade de a mulher metabolizar o álcool é a metade da do homem. Por esse motivo, a mulher também é mais sensível ao alcoolismo que o homem.
- Os diabéticos podem beber vinho? Podem. Cerca de 80% dos diabéticos são do tipo 2, que se desenvolve quando o pâncreas produz insulina, mas ela é incapaz de pegar a glicose e colocá-la na célula. A principal causa disso é a diminuição dos receptores de insulina na célula. O álcool em doses moderadas, e principalmente o vinho tinto, parece melhorar a capacidade dos receptores.
O vinho engorda? Vinho não engorda, desde que consumido moderadamente. Uma taça de 100 mililitros corresponde a 70 calorias. Coloque no prato uma colher a menos de arroz ou de feijão e substitua pelo vinho. Você não vai engordar, e pode até emagrecer, pelo efeito calorigênico do próprio álcool, o efeito de queima calórica dado também por outras substâncias, como a cafeína e a efedrina.
- Há pessoas que bebem muito, por exemplo no fim de semana, e passam algum tempo abstêmias, para compensar. Isso ajuda? Talvez do ponto de vista de intoxicação hepática haja algum favorecimento. Mas de modo geral, não. Se a pessoa faz libações exageradas no fim de semana, e interrompe na segunda-feira, favorece o processo de hipercoagulabilidade sanguínea. No período de ingestão de álcool há diminuição da agregação plaquetária. As plaquetas são estruturas que participam do início do processo de coagulação do sangue. Quando se suspende o processo inibidor, que era o álcool, o organismo tenta recompor a todo custo a capacidade de agregação plaquetária, o que causa a hipercoagulabilidade. É muito comum ocorrer derrame ou infarto numa segunda-feira. Por isso é mais prudente o consumo moderado e diário de vinho. (Baseado em artigo do endocrinologista paulista Dr. Antonio Carlos do Nascimento, enófilo confesso).