Nesta semana tivemos algumas noites toscanas, nas quais o foco foi a degustação de vinhos criados a partir da Sangiovese. Naturalmente, algumas perguntas ficaram marcadas para pesquisa e respostas adequadas: - O que vem a ser os Vinhos Brunello di Montalcino ? - O que vem a ser os Supertoscanos? Neste artigo vamos falar sobre o Brunello di Montalcino, entendendo antes a uva Sangiovese.
A principal uva tinta na Toscana é, sem dúvida, a Sangiovese, seguida pela Canaiolo, a Prugnolo Gentile, a Brunello (que brilha em Montalcino), a Pollera Nera, a Morelino di Scansano e as francesas Cabernet Sauvignon e Merlot. No campo das brancas, encontramos a Malvasia do Chianti, a Malvasia di Candia, a Trebbiano, a Vermentino di Luni, a Ansônica e as gaulesas Chardonnay e Sauvignon Blanc.
Em geral fala-se muito da Sangiovese, mas na verdade esse termo define um grande número de suas variedades, os denominados “clones” os quais se diferenciam durante os séculos e em diversos territórios/localidades.
A Sangiovese é uma uva tinta pertence à família da Vitis vinífera, também conhecida pelas seguintes designações: Sangiovese Grosso, Brunello, Uva brunella, Morellino, Prugnolo, Prugnolo Gentile, Sangioveto, Tignolo, Sangiovese Piccolo e Uva Canina.
Sua origem é incerta, mas algumas informações históricas remetem a registros de que no século XVI já havia a sua produção, quando teve sua primeira citação em 1590 em documentos escritos por Giovanvettorio Soderini. Nesses documentos, Soderini menciona que a uva Sangiogheto produzia bons vinhos. Não existe comprovação precisa de que essa variedade é a mesma que a Sangiovese de hoje. Sua produção cobre 11% da superfície vitivinícola nacional, é considerada um dos tesouros da Toscana.
Na região da Toscana ela se distingue em três grandes famílias: A Sangiovese Grosso, que entre outras variedades compreende a uva Brunello utilizada na produção do vinho homônimo, a Sangiovese Piccolo, usada em grande parte da região e a Prugnolo Gentile, utilizada principalmente na produção do vinho Nobile di Montepulciano, o nome significa o sangue de Júpiter, é uma uva de amadurecimento tardio, ácida, tânica e frutada.
Prugnolo - Conhecida também como Prugnolo Rosso, Pignolo e Tignolo, esta uva é bem vermelha e também cultivada na Toscana. Esta uva é utilizada na produção do Vino Nobile di Montepulciano desde o início do século XVIII. Apesar de haver confusão a Uva Montepulciano d’Abruzzo não é da mesma família da Prugnolo e se comparada à Sangiovese, apresenta mais tanino.
Brunello - A uva Brunello é amarronzada, de casca grossa e pequena, tradicionalmente produzida na região de Montalcino. O vinho feito dessa uva é mais forte e espesso do que o Sangiovese, ela é uma variedade nobre da desta uva que pode produzir vinhos de grande longevidade, aliás, os vinhos de uma safra só são liberados para serem comercializados depois de cinco anos de armazenamento, ou seja, exige grande investimento por parte dos cultivadores.
Uva Canina - Também é conhecida como Canaiolo e Cainaolo Nero na Toscana, porém também é produzida nas regiões de Lazio, Marche e Sardenha. Uma parte da sua popularidade vem da sua capacidade das uvas serem utilizadas parcialmente secas, sem quebrar, o que ajuda no processo de fermentação. A produção dessas uvas sofreu uma queda nos últimos anos, porém há esforços por parte dos produtores da Toscana para re-introduzir essa variedade no uso popular.
Morellino - Produzida na cidade de Scansano e significa “escuro”, são poucos os registros históricos confiáveis que relatam algo sobre essa videira. Ela é cultivada em conjunto com outras variedades na maioria das vezes. A videira possui fertilidade média, normalmente vinificado com outras uvas tem um rendimento de suco médio e elevado teor de açúcar.
MAS E O BRUNELLO?
O Brunello de Montalcino certamente é o vinho mais famoso e prestigiado da Toscana, mas o mais tradicional continua sendo Chianti, região ao redor de Siena e Florença que possui a DOC mais antiga da Itália e uma das mais antigas do mundo, datando de 1716, quando o grão-duque da Toscana, Cosimo III, da dinastia dos Médici, demarcou a região.
O Brunello di Montalcino é um fenômeno bastante recente na cena vitivinícola mundial. Diferentemente de outras regiões europeias, apesar de o vinho lá também ser produzido há séculos, o prestígio da marca só surgiu dos anos 1980 para cá. Até a segunda metade do século 20, os Brunellos eram quase lendas, tidos como raridades acessíveis apenas a apreciadores muitos especiais.
A história começou a mudar em 1966, quando se tornou um dos primeiros vinhos a serem reconhecidos como um DOC, o sistema italiano de denominação de origem. E, em 1980, foi o primeiro vinho a receber a classificação de DOCG (Denominazione di Origine Controllata e Garantita), o que lhe trouxe, além de mais prestígio, mais controle das normas de elaboração exigidas pela legislação local.
Hoje o Brunello tornou-se um dos vinho italianos de maior glamour e luxo. É produzido em um pequeno espaço de terra ao sul de Siena a partir da uva Sangiovese Grosso in purezza (a DOCG não permite que nenhuma outra casta entre na composição do Brunello). Essa variedade de maturação tardia é colhida em meados de outubro, produzindo um vinho escuro, já que é fermentado lentamente e por muito tempo em contato com as cascas da uva, para extrair o máximo de cor e sabor. Depois, é envelhecido em “botti” de carvalho (tonéis de grande volume para o afinamento do vinho).
Como todo vinho que virá símbolo de glamour, poder e riqueza, há que se ter cuidado com a compra das garrafas, já que existe a possibilidade de levar “gato por lebre”, pois existem inúmeros Brunello sofríveis e de baixa qualidade. A dica portanto é prestar atenção ao nome do produtor.
A legislação que regula as normas da DOCG de Brunello di Montalcino exige que o vinho estagie por um período de envelhecimento de pelo menos dois anos em barris de carvalho (qualquer dimensão) e pelo menos quatro meses em garrafa. Não pode ser colocado para consumo antes de 1º de janeiro do ano posterior ao estágio de cinco anos calculados considerando a data da safra. Há ainda o Brunello di Montalcino Riserva, que é disponibilizado para consumo depois de 1º de janeiro do ano seguinte ao estágio de seis anos calculados considerando a colheita, depois de passar no mínimo dois anos em barris de carvalho e pelo menos seis meses em garrafa. Regras da produção do Brunello di Montalcino
Região de produção: Comuna de Montalcino I Vinha: Sangiovese (denominado, em Montalcino, “Brunello”) I Rendimento máximo de uva: 8 toneladas por hectare I Rendimento de uva no vinho: 68% I Afinamento mínimo em madeira: 2 anos em carvalho I Afinamento mínimo em garrafa: 4 meses (6 para o Riserva) I Grau alcoólico mínimo: 12,5% I Engarrafamento: só pode ser efetuado na zona de produção I Lançamento: depois de 5 anos da colheita (6 para o Riserva) I Embalagem: só pode ser comercializado em garrafas de forma bordalesa
A importância do clone ou do Terroir?
O Sangiovese usado em Montalcino é um clone diferente do utilizado em outras áreas vitícolas. A diferença está muito na pele, o clone de Montalcino é muito rico em antocianinas e, portanto, tem uma pele mais grossa. A vinha de Sangiovese é muito variável, tanto que hoje conhecemos cerca de 80 clones que produzem vinhos com características diferentes. Mas os clones usados em Montalcino também são usados em outras partes de Itália.
No entanto, todos os enólogos fazem questão de apontar que o grande diferencial do Brunello di Montalcino está no seu terroir. Então, para entender o vinho, é preciso entender a região. A origem do nome Montalcino é incerta, mas há duas hipóteses. A primeira dá conta de que deriva de Mons Lucinus, monte dedicado à deusa romana Lucina. A segunda, mais aceita, liga-o a Mons Ilcinus, monte das azinheiras, devido à grande presença dessas árvores frondosas. No brasão da cidade, pode-se ver uma azinheira sobre três montes.
A cidade é uma fortaleza, que durante séculos foi assediada por povos vizinhos. Chegou a ser considerada inexpugnável devido aos seus muros e seu castelo no centro elevado da região, chegando a sustentar cercos da poderosa cidade de Siena. Foi uma das últimas comunas livres da Itália durante o período dos Médici.
Montalcino fica cerca de 40 quilômetros ao sul de Siena e também do mar, em uma região repleta de belas colinas. A zona produtora compreende uma área de 24 mil hectares delimitada pelos rios Asso (a leste), Orcia (ao sul) e Ombrone (a oeste). Cerca de 15% dessa área (aproximadamente 3.600 hectares) são ocupados por vinhedo, sendo aproximadamente 2.100 hectares sob a denominação Brunello di Montalcino e o restante para outras denominações como Rosso, Moscadello, Sant’Antimo e outros vinhos.
As colinas vão de 120 a 650 metros acima do nível do mar. Ao sul, o monte Amiata impede que as tempestades de verão cheguem, dando um tom ainda mais seco à região, que concentra suas chuvas no outono e na primavera (por volta de 700 mm). No inverno, a neve só atinge locais acima de 400 metros. As colinas medianas, por sua vez, raramente são afetadas pela neblina ou geada, devido à presença frequente do vento.
Em comparação com outras áreas da região central da Itália onde é cultivado Sangiovese, Montalcino tem um clima ideal que não é encontrado em outros lugares. Na verdade, é quente o suficiente para a produção de uvas perfeitamente maduras, mas não tão quente para encurtar o ciclo vegetativo. Além disso, a inclinação do solo, o clima seco e ventilado permitem obter uvas completamente maduras e perfeitamente saudáveis, e isso é impossível em altitudes mais baixas, úmidas e nubladas, como, por exemplo, a Romagna.
O solo da região tem papel fundamental na tipicidade do vinho produzido, pois sendo rico em argila e com bom esqueleto (areia e pedras), ele reduz a produção de uvas e dá ao vinho um toque especial de mineralidade, o que permite ter vinhos estruturados e minerais ao mesmo tempo.
O boom de Brunello fez com que a área produtiva e o número de produtores se multiplicasse rapidamente. Em meados do século XX, havia menos de 50 hectares plantados de Brunello, com pouco mais de duas dezenas de produtores. Hoje são mais de 2 mil hectares e mais de 200 produtores.
A GUARDA DO BRUNELLO DI MONTALCINO
A principal qualidade dos Brunellos via de regra é sua longevidade, que aponta uma guarda de 30 a 50 anos para seus vinhos. Muitos produtores recomendam degustar seus Brunellos somente depois de 10 anos.
HARMONIZAÇÃO E DECANTAÇÃO
Há produtores que recomendam até 8 horas de decanter para que seus vinhos se abram, especialmente os mais jovens. Portanto, não é má ideia abrir a garrafa e decantá-la por algum tempo para que a potente estrutura do vinho deixe transparecer suas sutilezas, além de eliminar as borras quando se tratar de um vinho maduro. O Brunello é melhor apreciado entre 18º e 20ºC. Devido ao seu caráter, faz boas combinações com carnes, inclusive as de caça, como o javali, e todo o tipo de embutidos toscanos, inclusive os presuntos defumados. Seus tons terrosos também harmonizam com funghi e trufas. Queijos potentes, como Pecorino e outros de estilo parmesão também são acompanhamentos interessantes.
BRUNELLOGATE
Em março de 2008, uma reportagem da revista Winespectator colocou os produtores de Brunello contra a parede. Nela havia a denúncia de que alguns deles não estavam respeitando as regras da denominação e colocando outras uvas além da Sangiovese no vinho. Diante disso, o governo norte-americano chegou a bloquear a importação dos vinhos que não tivessem provas laboratoriais de que eram 100% Sangiovese.
Na época, produtores de renome foram colocados sob investigação e o caso ficou conhecido como Brunellopoli ou Brunellogate. Depois disso, o Consorzio Brunello di Montalcino, que fiscaliza os produtores, passou a intensificar o controle. Tempos depois também, os associados chegaram a votar uma proposta de relaxar as regras para que outras castas fossem aceitas, mas a ideia foi rechaçada. Até o momento, contudo, não se provou a fraude.
Por mais que mudem as técnicas, a essência do vinho parece não mudar com o tempo. Um aroma limpo, com notas de fruta escura madura, uma suavidade no paladar que mostra muito equilíbrio e elegância, são as qualidades básicas de todos os Brunellos, tornando-os vinhos únicos num universo cada vez mais globalizado e parkerizado! Na minha opinião, apesar de caros, valem cada gota bebida !!!